PÁGINAS

HISTORIA DE MARABÁ

A beleza da orla esconde a miséria dos bairros.
Alguns pesquisadores oferecem pistas para o entendimento da história de Marabá. Com base em duas pesquisas, de Octávio Ianni e Octávio Guilherme Velho, a primeira afirmativa possível sobre a história de Marabá é que, tal como Conceição do Araguaia, nasceu ligado a atividades extrativas, primeiro o caucho, depois a castanha, e do trabalho missionário dos frades dominicanos que, a todo custo, procuravam impor alguma ordem ao caos produzido por homens aventureiros vindos do nordeste, e de outros lugares da própria Amazônia, à procura de algum recurso com que pudessem amenizar o sofrimento dos parentes deixados para trás. Passado a fase da extração vegetal, Marabá já cidade formada, inundou-se de aventureiros que chegavam para ocuparem-se da mineração. Então, a história de Marabá começa ligada a atividades econômicas e ao trabalho religioso, este último, na ausência do Estado, um vago modelo de moralidade de que tanto carecia a massa.
Assim, Marabá nasce quase nas mesmas circunstâncias de Conceição do Araguaia, ou seja, das atividades missionárias dos frades dominicanos seguida da exploração do caucho. Nesse caso, porém, diferente de Conceição, onde por muito tempo irá prevalecer a autoridade e as marcas da ação dos padres dominicanos, no caso de Marabá, que concentrou o comércio do látex explorado nas matas circundantes, “enche-se de uma população instável, flutuante e aventureira” (VELHO, 1981, p. 44) tendo a figura do comerciante como referência e a desordem como regra.
Uma importante fonte de informação sobre o período são os textos escritos pelos religiosos que viveram na região. O Frei José Maria Audrin, um dos religiosos que conheceu Marabá no início do século passado, escreveu suas impressões sobre Marabá em 1921 analisando o cotidiano dos seringueiros e garimpeiros. O religioso nos dá o seguinte testemunho:


.... famílias ribeirinhas do Tocantins e do Araguaia, outras do interior do Maranhão, junto com milhares de seringueiros e de castanheiros do Itacaiúnas. Certos meses de safra, a população adventícia atingia a mais de quinze mil pessoas. Entre estas aparecia um sem número de doentes, saídos das matas úmidas, consumidos pela malária, que vinham morrer em barracas imundas sem o mínimo socorro material e espiritual. [...] Marabá não era Conceição. Marabá brotara da ganância do dinheiro; logo, totalmente alheia a qualquer preocupação religiosa e moral. Principiou sendo o que chamam corrutela, nome bem significativo, empregado com muito acerto nas regiões de garimpos, e que não carece de comentários. [...]. (AUDRIN, 1946, 155-156).


Os comerciantes da borracha que assentavam-se nas proximidades do Tocantins e do Itacaiúnas aí negociavam com compradores da capital, mas era os homens mais pobres, vindos das mais diferentes regiões, com preponderância dos nordestinos,  que, embrenhados nas florestas, extraíam a goma. O ciclo da borracha, porém, foi breve, praticamente entre os anos de 1898 a 1919. Seguiu-se ao ocaso da borracha o desenvolvimento de atividades de extração da castanha. Foi em torno das atividades extrativas da castanha, da força econômica e política dos comerciantes da castanha que se forjou uma estrutura rodoviária, para o transporte do produto, e uma legislação sobre uso das terras públicas, o aforamento, para garantir o poder daqueles que já tinham o poder.
Sob condições miseráveis viviam uma grande massa embrenhada nas matas catando o ouriço e extraindo dele a castanha numa busca que, a cada ano, ficava mais e mais longe das áreas povoadas. A lógica da exploração da castanha seguiu a mesma lógica de exploração da borracha, ou seja, o aviamento. O aviamento funcionava, no caso da região de Marabá, e do Pará de modo geral, através de uma estrutura em que grupos importadores no estrangeiro financiavam grupos exportadores da capital, Belém, que por sua vez, compravam o produto dos comerciantes de Marabá e estes, na condição de arrendatários dos castanhais “empreitavam” o trabalho dos castanheiros cuidando, através da exploração[1], de torná-los o máximo dependentes de seu poder. O castanheiro, que era o trabalhador que entrava na mata catando castanha, era muito mal pago. Por outro lado, o feijão, farinha e alguma carne de sol que adquiria era vendida a um preço muito alto. O castanheiro tinha que pagar até os instrumentos de trabalho. Por esse sistema de exploração o castanheiro, como o seringueiro, transformava-se numa espécie de escravo, ficando à mercê do patrão pela dívida que contraía, e quanto mais trabalhava, mais devia.
Atividades como a agropecuária e a mineração foram lentamente ganhando expressão e não tardou para que a agropecuária concorresse, na década de 1950 com a extração da castanha que, sobretudo em função do desmatamento, ia ficando cada vez mais difícil. A partir da década de 1950, e antes desse período, com maior afluxo de garimpeiros, a mineração foi tendo primazia entre as atividades econômicas na região.
O auge do ciclo econômico do caucho data de 1898, mas antes disso, desde 1892 Marabá já era povoado, sendo essa a data referência para o início da história de Marabá, conforme preferem os historiadores. O próprio nome dado à corrutela, Marabá[2], segundo apurou Octávio Guilherme Velho (1972: 42) procedeu de uma construção social nascida no meio dos comerciantes da borracha. A expressão Marabá tem origem indígena (mayr-abá) e significa filho do prisioneiro ou estrangeiro, ou ainda o filho da índia com o branco, o que indica uma denominação construída socialmente na relação entre os povos indígenas, que viviam na região, e o homem branco invasor. Filho do prisioneiro, filho do estrangeiro, filha da índia com o branco, ou simplesmente filho da mistura são sinônimos do drama característico do encontro do branco com o índio. Encontro que, na história de Marabá, é quase sempre escamoteado, como se não tivesse acontecido e como se centenas de indígenas não tivessem sido mortos ou expulsos de suas terras.
A história do Município de Marabá, contudo, não começa com o tipo de atividade que foi desenvolvida na região, mas com seus primeiros habitantes, os povos indígenas. Desde tempos imemoriais a região tocantina  do Pará foi habitada pelo grupo indígena Gavião do Oeste, povo Timbira, pertencente ao tronco lingüístico Macro-Jê. O grupo Gavião do Oeste recusou o contato com o colonizador por muito tempo, só o aceitando no início da segunda metade do século XX.
Somente a partir de 1892 é que, de fato, o espaço foi ocupado por colonizadores brancos. Mas quem era estes colonizadores? Não eram os heróis como muita gente que escreve sobre a história de Marabá quer fazer parecer. Carlos Gomes Leitão, um dos primeiros “chefes brancos” a chegar vinha corrido de brigas políticas que não conseguiu sustentar em Goiás, mais precisamente na Boa Vista, hoje Tocantinópolis, e que já chegou a ser conhecida como “Boa Vista do Padre João”, no tempo em que este coronel mandou e desmandou por lá.  
As práticas coronelistas incluíam o assistencialismo, e Carlos Gomes Leitão conseguiu com o governador da província do Grão-Pará José Paes de Carvalho dinheiro e remédio para se assenhorar dos que chegavam à região. Iniciada a exploração do caucho na região, descoberta atribuída a um empregado de Carlos Leitão, muitos vieram embrenhar-se nas matas e, por essa ocasião, Francisco Coelho da Silva, outro “chefe branco”, vindo do Maranhão, instalou comércio entre o Tocantins e o Itacaiúnas, onde hoje é Marabá.  Segundo alguns narradores da história marabaense, foi Coelho da Silva que deu nome à Marabá, informação bastante discutível posto que para estes se trataria de uma homenagem à Gonçalves Dias e a expressão Marabá é muito mais própria para a língua indígena como referência aos grupos misturados que se fixavam naquele lugar.
Criado em 27 de fevereiro de 1913 por reivindicação da comunidade marabaense, o município só foi instalado formalmente em 05 de abril do mesmo ano, data que passou a ser comemorada como aniversário da cidade. Mas Marabá recebeu o título de cidade somente dez anos depois de ter se elevado à categoria de Município, ou seja, em 27 de outubro de 1923.
Com a abertura da PA-70, em 1969, Marabá foi ligado à rodovia Belém-Brasília. A partir desse momento a região passou a conviver com um novo drama, o drama dos conflitos agrários. De um lado famílias conhecidas, como a família Mutran, matando e mandando matar, espoliando, expulsando, usando a polícia ou pistoleiros, e às vezes os dois juntos; de outro lado, centenas de famílias pobres que haviam se apossado de terras devolutas, antes com pouco valor econômico,mas que, depois de abertas as estradas, se super valorizaram. Marabá tornou-se um lugar propenso à orfandade. Muitos pais de famílias tombaram à bala a mando de fazendeiros.
Ao mesmo tempo, sobretudo a partir da década de 1980 ganhou destaque as atividades ligadas à mineração e o drama do homem pobre aumentou porque mais pobres acorreram à região. E, se de um lado o homem expulso da terra era obrigado a proletarizar-se, ou seja, virar peão do fazendeiro, do outro, o garimpeiro foi cada vez mais se identificando como uma figura aventureira manipulada pelos verdadeiros barões do garimpo, pessoas autorizadas a operar pelo Major Curió, homem que ora se apresentava como patriota, quando, como militar falava em nome do país; outras vezes, apresentava-se defendendo seus interesses próprios, quando matava à paisana e era apenas o Curió.  Se a o trabalho na terra liga a família ao lugar; o garimpo ou o homem tornado peão cria o escravo[3] moderno, uma forma de escravismo muito comum no Estado do Pará.
Marabá atualmente é uma das cidades brasileiras que mais cresce. Mas seu crescimento é desordenado. Os políticos são corruptos e o planejamento quase inexiste. Enquanto o centro é bem cuidado e a cada dia um novo projeto tenta resolver o problema do trânsito e da estética urbana, no interior dos bairros sobra esgoto a céu-aberto, falta um sistema de saúde que funcione, os professores recebem salários miseráveis e o povo circula pela cidade num transporte coletivo que mais parece carretas de transporte de gado. O turismo se resume à orla, num ponto específico. O resto da cidade vaga às escuras durante à noite e o povo está entregue à marginalidade. O resultado é que, embora com uma das maiores arrecadações do país, considerando a proporção de habitantes, Marabá é uma das cidades mais violentas do mundo com uma média superior a 200 homicídios por ano. Por tais dados, morar em Marabá é quase como morar numa cidade iraquiana.
O censo do IBGE de 2008 registrou uma população em torno de 199.946 habitantes e estima-se um crescimento acelerado desse número em função dos projetos ligados à exploração mineral na região. Essa exploração, que se desenvolve há décadas, não tem correspondidos a benefícios claros para a população marabaense. Nas empresas os melhores empregos são para pessoas vindas de fora. No município não há mão-de-obra qualificada e o governo não se preocupa em criar condições para que o povo de Marabá alcance esse nível de qualificação. Todos os dias toneladas e mais toneladas saem de Marabá conduzidas por locomotivas, e o que fica? Crateras no solo, doença nos córregos, reservas indígenas atravessadas e consumo da energia e das riquezas do solo da região, nada mais. O povo continua pobre, e ficada cada vez mais pobre. Sem saúde, sem segurança, sem educação de qualidade e sem esperanças.
  
O minério vai, a pobreza fica.
Isso posto, fica evidente que o presente de Marabá ainda está muito ligado ao passado. O que se desenvolve aqui são atividades predatórias. A história de Marabá, é a história do saque à região. O caucho foi pra levar pra fora, a castanha foi pra levar pra fora e o minério é pra levar pra fora. No passado, e no presente, ao povo marabaense que tanto tem oferecido ao mundo, só cabe a visão de uma cidade desfigurada com ruas e vielas enviesadas, sem calçamento, sem saneamento e com crianças desnudas, anêmicas e cheias de vermes que param nas portas com as bocas escancaradas esperando a morte chegar porque outro futuro parecem não ter mais.

Bibliografia:

AUDRIN, José Maria. Os sertanejos que eu conheci. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1963.
__________________. Entre sertanejos e índios do norte: o bispo-missionário Dom Domingos Carrérot. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1946.

IANNI, Octávio. A luta pela terra: história social da terra e da luta pela terra numa área da Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1978.
_______________ Colonização e contra-reforma agrária na Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1979.
VELHO, Octávio Guilherme. Frentes de expansão e estrutura agrária: estudo do processo de penetração numa área da Transamazônica. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.

Consultar também:


SILVA, Moisés Pereira. Padre Josimo Moraes Tavares e a atuação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) nos conflitos agrários do Araguaia-Tocantins (1970-1986). Goiânia: UFG, 2011. Dissertação de Mestrado.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Amazônia: monopólio, expropriação e conflitos. 2ª. ed. São Paulo: Papirus, 1989.
______________________________. Integrar para não entregar: políticas públicas e Amazônia. 2ª. ed. São Paulo: Papirus, 1991.
_______________________________ A geografia de uma história de lutas. In: A Geografia das Lutas no Campo. 8ª Ed. São Paulo: Contexto, 1997.


[1] Os produtos oferecidos pelo comerciante e vendidos no barracão, eram significativamente mais caros que o produto do trabalho dos castanheiros, a castanha. Na verdade, a castanha só ganhava valor significativo quando entrava no círculo de compra e venda que partia do comerciante, nas casas comerciais de Marabá.
[2] Marabá corresponde a uma expressão da língua indígena mayr-abá significando estrangeiro, miscigenado ou filho do prisioneiro. O povoado nasceu ligado às atividades extrativas, principalmente do caucho, tendo sido nomeado de Casa Marabá um armazém de aviamento sob a responsabilidade de Francisco Coelho lembrado na história tradicional de Marabá como fundador do município.
[3] Martins (1997) e Figueira (1986) apresentam a peonagem como um processo similar à escravidão. Portanto, a utilização do termo proletarização não é sinônimo de peonagem. Por outro lado, tanto num caso como no outro, há a cooptação do camponês, em alguns casos, obrigado a ingressar neste sistema em função da perda da terra e da impossibilidade de recuperá-la. Somente nesse sentido os dois termos expressam realidades comuns.