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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Melhor seria ser filho da outra...


Quase sempre os telejornais trazem notícias que  quero esquecer. Não é um desejo de alienação. Ao contrário, sempre penso que poderia ser diferente. A canção de Chico Buarque bem traduz esse desejo de ser filho de uma outra realidade sem tanta mentira, violência e corrupção. Não quero, porém, que seja afastado de mim o cálice da luta na transformação dessa realidade de tanta força bruta que oprime o fraco e protege o corrupto, que geralmente é forte e rico. Me dano na calada da noite, mas quero me danar sempre e acreditar que adianta sim ter boa vontade, embora isso por si, não baste. Toda essa inquietude de uma história sempre repetida se traduz na carta que segue abaixa escrita entre agosto e outubro de 2009 endereçada aos senadores brasileiros.


“São João do Araguaia, 19 de agosto de 2009

Senhores Senadores,
Sou Moisés Pereira da Silva, professor num pequeno município do Estado do Pará e um brasileiro envergonhado do que tenho assistido no cenário político, fatos que, no meu entender, resultam da responsabilidade –ou ausência dela –de todos vocês que ocupam as cadeiras dessa casa e engordam suas contas bancárias às custas das contribuições forçadas de milhares de brasileiros. Cotidianamente, na impressa escrita e falada, especialmente através dos canais de televisão, o povo brasileiro tem acompanhado a indecência em que se tornou o Senado Federal Brasileiro e eu olho tudo isso com um desespero intraduzível, cujo, somente pode amenizar-se por esta carta que ora escrevo.
Senhores, sou pessoa honrada e trabalhador mais digno do que o reconhecimento financeiro de que hoje gozo. Quando estou na sala de aula tenho prazer no meu ofício porque me sinto um edificador de pontes. As pontes que edificamos na escola poderão contribuir, e somente neste sentido poderão ser pontes, para a superação da miséria que se interpõe entre as crianças e jovens pobres e uma situação mais digna de vida. Sou funcionário do Estado do Pará, mas sequer prédio próprio para nosso trabalho o Estado oferece; de modo que dividindo o espaço com ratos e morcegos, trabalhamos numa escola com quadro negro se desfazendo e infra-estrutura comprometida. Mas isso não é obstáculo suficiente.
Sou professor de História e trabalho também com Filosofia. Minhas aulas são para a vida cidadã, condição indispensável para a construção de uma sociedade melhor. Mas, senhores, nada se interpõe com maior veemência ao meu trabalho do que a canalhice que se tem testemunhado nesta casa federal. Sei que dizendo assim, pode parecer que estou sendo agressivo, mas acredite não há nenhuma palavra mais apropriada, ao contrário, essa palavra sequer traduz a indignação que compartilho com outros brasileiros espalhados pelas cidades, sertão e floretas da Amazônia.
Me refiro entre outros, ao caso do Senador José Sarney. Muito foi dito, inclusive pelo próprio, que ele não se afastaria da presidência do Senado para resguardar sua biografia. Mas, o que precisa ser resguardado na sua biografia? A transformação do Maranhão numa grande propriedade particular, exemplo último de feudalismo reinante? O que foi feito de grande vulto sob essa insígnia que não cheira a particularismo? O que há de notório relacionado ao nome Sarney que não cheire a favorecimento, abuso do público, dinheiro de fonte inexplicável e, ainda, a recente decisão, no mínimo suspeita, de transferência de administração do Estado do Maranhão para sua filha, outrora dona do dinheiro sem procedência, exemplo único de rapidez no processo e solução sem convocação de novas eleições?
Senhores, até quando, pelo pouco caráter de senadores, minhas palavras sobre política e cidadania tornar-se-ão vazias? Senhores me ajudem a exercer o magistério com um mínimo de confiança no futuro deste país! Senhores deixem de eliminar a esperança de meus alunos, pessoas para quem a vida ainda é um rio pelo qual transbordam expectativas. Expectativas que, como nossos rios amazônicos, estão a esvaziarem-se diante da certeza imposta pelos fatos, de que as coisas nunca mudarão porque o significado mais próximo de poder público é corrupção, evidência irrefutável ante a prática que se dá no Senado Federal.
Não lhes estou acusando diretamente. Mas estou dizendo que a sujeira que reina nesta casa é responsabilidade, mesmo quando indireta, de todos vocês, eleitos para cargos cruciais no sentido de que podem tomar ações que tanto colaboram para o engrandecimento da nação quanto para a derrocada ininterrupta do nosso povo.
O primeiro parágrafo desta carta escrevi ainda quando as primeiras acusações contra o Presidente do Senado estavam prestes a serem submetidas ao Conselho de Ética da Casa. E o que agora vejo? E em que, para a humilhação de quem ainda tem vergonha nessa país, resultou tudo? Em nada. Certeza factível para os muitos crimes cometidos no âmbito do Senado e da Câmara Federal. É isso que amolece nossa esperança em dias melhores. É isso que dificulta o meu trabalho quando o penso pautado na perspectiva democrática. É o fato de no alto da pirâmide assentarem-se as aves de rapina mais cruéis que se possa crer que dilacera o meu discurso porque esvazia o seu sentido prático.
Eu bem sei que mais corrupto que vocês são os eleitores e até imagino o prazer que deve dar-lhes os noticiários sobre o quanto é deprimente a nossa educação. Como eu, vocês todos sabem que quanto mais ignorante, mais curraleiro e corrupto será esse gadinho manso que alimenta vossas garras afiadas. É como se essas vaquinhas magras, bezerros e garrotes tivessem como objetivo único de suas miseráveis vidas, alimentar a gana corrupta do poder que engendrou o nosso Senado e a nossa Câmara Federal como espaço de devoradores de almas.
Não é à toa que nossa polícia corrupta tenha uma remuneração média bastante superior à dos profissionais da educação, afinal, é mais importante o trabalho de controle do gado –pela violência, pelo abuso e pelo medo –do que a transmutação da condição de gado. Todos vocês parecem admitir plausivelmente que o magistério tem uma função social bastante insignificante se comparada com a função de um policial militar. O cômico nisso é que, por essa inversão, a polícia sempre terá mais trabalho, porque o povo terá, proporcionalmente, menor condição de acesso a melhores condições de vida, o que induz, erroneamente, uma parcela sempre maior à criminalidade. Chega a ser trágico que o Estado, por exemplo, garanta o acesso gratuito a policiais fora de serviço, como é no DF, e não para policiais, para quem cinema é ferramenta de trabalho.
Vocês, senadores, são revestidos da manta do poder. A vossa imunidade é a capa da miséria que transforma o fazer de muitos dentre vocês em fazer escuso. Mas não me refiro à pura imunidade parlamentar, que também não é necessária, refiro-me à imunidade garantida pelos vossos pares. Quando um político comete um crime no Brasil, não importa a natureza, tem-se a impressão que o ambiente onde ele atua, seja o Senado, seja a Câmara, ou alguma Assembléia Estadual ou Câmara de Vereadores transforma-se num covil a acoitar o criminoso. A punição é sempre branda: o afastamento da cenário até o pleito seguinte quando, amparado pela ignorância do povo e pelo discurso demagógico, retornará triunfante tornado de criminoso a herói regional contra quem se tramou alguma coisa.
Gostaria de saber, senadores, porque as propostas de lei moralizantes, como o projeto “ficha limpa”, não passam por vossas aprovações? O que Senado e Câmara têm contra a moralidade? Qual é, senadores, o problema moral do Senado e da Câmara? Porque José Sarney ainda reina no FENADO (que é uma mistura de feudo com senado)? Eu sei que a política requer um certo jogo, entendo as armações da base aliada do governo –me recuso a ser gado e não ser gado significa saber de tudo isso –mas será que em nome do jogo político vale comprometer a ética e a moral de forma tão flagrante?
Alguns de vocês, que por sua ação faz respingar esse julgamento sobre todos vocês, são piores que os traficantes das favelas cariocas, paulistas, cearenses, paraenses e de qualquer outra favela das cidades brasileiras. O tráfico de vocês é mais perigoso. O tráfico de vocês é mais perigoso porque vicia todo o povo pelo exemplo público das pessoas públicas que são vocês. Pela prática de vocês dá-se a impressão que nesse país para quem tenha dinheiro ou costa quente, tudo é lícito porque o ilícito não vexa ninguém e é até expressão de poder. Vocês adoecem as crianças e os jovens e acabam com os últimos fragmentos de esperança dos velhos que lutaram pela democracia, crentes de que isso seria melhor para o país. São vocês que enxertam a corrupção nas gerações mais novas e a corrupção, por isso, está entranhada na carne e no sangue do povo brasileiro.
Volvo a cabeça, e de um lado vejo o Planalto com um presidente –eleito com o meu voto – comprando subornando deputados (mensalão), do outro lado, no Supremo Tribunal Federal –com toda a supremacia dessa palavra –um juiz, Gilmar Mendes, que advoga em favor de criminosos que ele deveria condenar – e como é absurdo se discutir uso de algemas para evitar que elas cheguem ao pulso de Dantas! Como eu queria que tudo isso fosse um pesadelo. Mas, sonhador, senhores, espero dias melhores para o nosso povo. Mas dias melhores para nosso povo significaria maior ética e melhor moralidade da parte de nossos congressistas, dos juízes, do presidente, dos professores, de todos nós. Desculpem-me, excelências, se pareço ultrapassar limites, o que não pode ser real em razão do asco que provocam vossas atitudes, mas que, dentro da demagogia própria do ofício parlamentar, poderá parecer, por algum repente de pudor que algum congressista possa, momentaneamente, apresentar.
Enfim, despeço-me para novamente enfrentar a realidade que me circunda com toda a sua carência e com todo o seu estado de desolação em relação às políticas públicas, desolação somente cortada pelas notícias do planalto e das suas práticas viciadas.

Cordialmente,

Moisés Pereira da Silva”

Não enviei a carta porque a realidade evidenciou-me, como agora é fato dado, que para o imaginário político brasileiro a opinião do povo não conta já que a idéia mais recorrente para eles deve ser: “f.... o povo!” então, para que lhes escrever? Mas partilho com o público, com pessoas como eu, e com eles, caso algum leia meu blog, a consciência que tenho sobre o que eles fazem. EU SEI O QUE VOCÊS ANDAM FAZENDO!

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