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terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A Grave Crise Alimentar - Olhando um pouco para o Mundo.


Autoria de Fidel Castro Ruz
Tradução: Luana Bonone (Portal Vermelho).

Apenas 11 dias atrás[1], em 19 de janeiro, sob o título "É hora de fazer alguma coisa", escrevi: "o pior é que, em grande parte, as soluções dependerão dos países mais ricos e desenvolvidos, que chegaram a uma situação que realmente não estão em condições de enfrentar sem que entre em colapso o mundo que têm tentado moldar". "Eu já não falo de guerras, cujos riscos e consequências têm sido alertados por pessoas sábias e brilhantes, incluindo muitas norte-americanas”.
Refiro-me à crise alimentar originada por eventos econômicos e mudanças climáticas, que aparentemente já são irreversíveis, como resultado da ação humana, mas que de todas as formas a mente humana tem a obrigação de enfrentar urgentemente.
Os problemas têm tomado forma agora, de súbito, através de eventos que se repetem em todos os continentes: calor, incêndios florestais, queda de safra na Rússia, alterações climáticas na China; perda progressiva das reservas de água no Himalaia, que ameaçam a Índia, a China, o Paquistão e outros países; excesso de chuvas na Austrália, que inundaram quase um milhão de quilômetros quadrados; o frio insólito e extemporâneo na Europa; seca no Canadá, ondas de frio incomuns neste país e nos Estados Unidos”.
Também mencionei as chuvas sem precedentes na Colômbia, na Venezuela e no Brasil. Relatei naquela reflexão que "a produção de trigo, soja, arroz, milho e inúmeros outros cereais e leguminosas, que formam a base alimentar do mundo – cuja população é hoje, segundo estimativas, cerca de 6,9 bilhões de habitantes e já se aproxima da cifra inédita de 7 bilhões, onde mais de um bilhão sofrem com fome e desnutrição – estão sendo seriamente afetados pelas mudanças climáticas, criando um gravíssimo problema no mundo".
No sábado, dia 29 de janeiro, o boletim diário que recebo com notícias da internet reproduziu um artigo de Lester R. Brown publicado no site Via Orgânica, datado de 10 de janeiro, cujo conteúdo, na minha opinião, deve ser amplamente divulgado.
Seu autor é o mais prestigiado e premiado ecologista norte-americano, que vem advertindo para o efeito nocivo do enorme e crescente volume de CO2 que se vem lançando na atmosfera. Do seu bem fundamentado artigo, tomarei só alguns parágrafos que explicam de forma coerente seus pontos de vista.
"No início do novo ano, preço do trigo alcança níveis sem precedentes. A população mundial quase dobrou desde 1970, e ainda estamos crescendo a uma taxa de 80 milhões de pessoas a cada ano. Nesta noite, haverá 219 mil bocas a mais para alimentar à mesa e muitos deles vão encontrar pratos vazios. Outros 219 mil se juntarão a nós amanhã à noite. Em algum momento esse crescimento incessante começa a ser demais para as capacidades dos agricultores e os limites da terra e dos recursos hídricos do planeta.
O aumento do consumo de carne, leite e ovos nos países em desenvolvimento, que crescem rápido, não tem precedentes.
Nos Estados Unidos, onde a safra foi de 416 milhões de toneladas de grãos em 2009, 119 milhões de toneladas foram enviados às destilarias de etanol, a fim de produzir combustível para automóveis. Isso seria suficiente para alimentar 350 milhões de pessoas ao ano. O enorme investimento dos Estados Unidos em destilarias de etanol cria condições para a concorrência direta entre os carros e as pessoas na colheita mundial de grãos. Na Europa, onde grande parte do parque automotor é movido a diesel, há uma crescente demanda por combustível diesel produzido a partir de plantas, principalmente a partir do óleo de colza e de palma. Essa demanda de oleaginosas não só reduz a área disponível para cultivar alimentos na Europa, mas também acelera desmatamento de florestas tropicais da Indonésia e da Malásia para as plantações produtoras de óleo de palma.
O crescimento anual do consumo de grãos no mundo saiu de uma média de 21 milhões de toneladas anuais no período 1990-2005 para 41 milhões de toneladas por ano, no período de 2005 a 2010. A maior parte deste grande salto pode ser atribuída à orgia de investimentos em destilarias de etanol nos Estados Unidos entre 2006 e 2008.
Ao mesmo tempo em que se duplicava a demanda anual de crescimento de grãos, surgiam novas limitações do lado da oferta, incluindo a intensificação daquelas de longo prazo, como a erosão dos solos. Estima-se que um terço da terra cultivável do mundo perde solo mais rápido do que o tempo necessário para a formação de novos solos por processos naturais, perdendo assim a sua produtividade inerente. Estão em processo de formação duas grandes massas de poeira. Uma se estende pelo noroeste da China, pelo oeste da Mongólia e pela Ásia Central; a outra está localizada na África Central. Cada uma delas é muito maior do que a massa de poeira que afetou os Estados Unidos na década de 1930.
As imagens de satélite mostram um fluxo constante de tempestades de poeira que se iniciam nestas regiões e cada uma normalmente carrega milhões de toneladas de solo valioso.
Enquanto isso, o esgotamento dos aquíferos reduz rapidamente a extensão das áreas irrigadas em muitas partes do mundo: este fenômeno recente é provocado pelo uso em larga escala de bombas mecânicas para extrair água subterrânea. Atualmente, metade da população mundial vive em países onde os lençóis freáticos estão diminuindo à medida que o bombeamento excessivo esgota aquíferos. Quando se esgota um aquífero, é necessário reduzir o bombeamento segundo o ritmo de substituição da água, se não for a intenção torná-lo um aquífero fóssil (não renovável), caso em que o bombeamento cessa completamente. Mas, mais cedo ou mais tarde, a diminuição dos lençóis freáticos resulta em um aumento nos preços dos alimentos.
As áreas irrigadas diminuem no Médio Oriente, sobretudo na Arábia Saudita, Síria, Iraque e possivelmente no Iêmen. A Arábia Saudita, que era totalmente dependente de um aquífero fóssil hoje esgotado para a auto-suficiência em trigo, vê esta produção em queda livre. Entre 2007 e 2010, a produção de trigo saudita caiu mais de dois terços.
O Oriente Médio árabe é a região onde a escassez crescente da água causou a maior redução na safra de grãos. Mas a escassez de água é também muito elevada na Índia, onde, segundo dados do Banco Mundial, 175 milhões de pessoas alimentam-se com grãos produzidos pelo bombeamento excessivo. Nos Estados Unidos, outro grande produtor de grãos do mundo, reduz-se a área irrigada em estados agrícolas fundamentais, como Califórnia e Texas.
O aumento da temperatura também torna mais difícil aumentar a safra mundial de grãos com rapidez suficiente para se equiparar ao ritmo sem precedentes da demanda. Os ecologistas que se ocupam do cultivo de alimentos têm sua própria regra, geralmente aceita: para cada aumento de um grau Celsius da temperatura acima do nível ótimo durante a estação de crescimento, pode-se esperar uma redução de 10% na produtividade dos grãos.
Outra tendência emergente que ameaça a segurança alimentar é o derretimento das geleiras das montanhas. Isto é especialmente preocupante no Himalaia e no planalto do Tibet, onde o derretimento das geleiras não só alimenta os grandes rios da Ásia durante a estação seca, como o Indo, o Ganges, o Mekong, o Yang-tsé e o Amarelo, mas também os sistemas de irrigação que dependem desses rios. Sem esse derretimento de geleiras, a safra de grãos iria sofrer uma grave queda e os preços cresceriam proporcionalmente.
Por último, e a longo prazo, as calotas de gelo que se derretem na Groenlândia e no oeste da Antártica, juntamente com a expansão térmica dos oceanos, ameaça aumentar o nível do mar em até 1,83 metros durante este século. Até mesmo uma elevação de 0,91 metros causaria a inundação de terras arrozeiras de Bangladesh. Também deixaria embaixo d'água grande parte do Delta do Mekong, onde se produz metade do arroz do Vietnã, o segundo maior exportador de arroz do mundo. No total, existem cerca de 19 deltas fluviais produtores de arroz na Ásia onde as culturas seriam consideravelmente reduzidas pela elevação do nível do mar.
A instabilidade das últimas semanas é apenas o começo. Já não se trata de um conflito entre grandes potências fortemente armadas, mas sim de maior escassez de alimentos e da subida dos preços dos produtos alimentícios (e da agitação política a que isso conduziria), que ameaçam o nosso futuro mundial. A menos que os governos revisem imediatamente as questões de segurança e desviem os gastos de uso militar para a mitigação das alterações climáticas, a eficiência da água, a conservação dos solos e a estabilização demográfica, segundo toda a probabilidade, o mundo enfrentará um futuro de mais instabilidade climática e de volatilidade dos preços dos alimentos. Se as coisas continuarem a ser feitas como até agora, os preços dos alimentos só tenderão a subir".
A ordem mundial existente foi imposta pelos Estados Unidos no final da 2º Guerra Mundial, e reservou para este país todos os privilégios.
Obama não tem como administrar a confusão que criaram. Há alguns dias foi derrubado o governo da Tunísia, onde os Estados Unidos impuseram o neoliberalismo e estavam felizes com sua proeza política. A palavra democracia havia desaparecido do cenário. É incrível como agora, quando o povo explorado derrama seu sangue e saqueia as lojas, Washington expressa sua felicidade pela derrubada. Ninguém ignora que os Estados Unidos converteram o Egito no seu principal aliado dentro do mundo árabe. Um grande porta-aviões e um submarino nuclear, escoltados por navios de guerra dos Estados Unidos e de Israel, atravessaram o Canal de Suez até o Golfo Pérsico durante vários meses, sem que a imprensa internacional tivesse acesso ao que estava acontecendo lá. Foi o país árabe que mais fornecimentos de armamentos recebeu. Milhões de jovens egípcios sofrem com o desemprego e a escassez de alimentos provocados na economia mundial, e Washington diz que os apoia. Seu maquiavelismo é que, ao mesmo tempo em que fornecia armas para o governo egípcio, a Usaid fornecia fundos à oposição. Poderão os Estados Unidos deter a onda revolucionária que varre o Terceiro Mundo?
A famosa reunião de Davos que acaba de terminar tornou-se uma Torre de Babel, e os Estados europeus mais ricos, liderados por Alemanha, Grã-Bretanha e França, concordam apenas nas suas divergências com os Estados Unidos.
Mas não há nada com o que se preocupar, a secretária de Estado prometeu mais uma vez que os Estados Unidos ajudariam na reconstrução do Haiti.


[1] Este artigo foi publicado originalmente no último domingo, 30 de janeiro.

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