PÁGINAS

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

UM DIA PARA NÃO EXISTIR



Estive este ano na festa do dia das mães na creche da minha filha. Já vi muitas homenagens às mães na Universidade Estadual de Goiás, em Uruaçu. Semana passada, na creche, para comemorar o dia dos pais enviaram, através da minha filha, uma lembrancinha destas que é melhor, em respeito às minhas colegas de profissão, não adjetivar. Na UEG, silêncio absoluto sobre o dia dos pais. Enquanto pai, fui do quase descaso ao completo esquecimento.

Pode parecer que estou despeitado, acusação comum no meu currículo, mas trago a questão à reflexão porque ela, no conjunto, expressa uma concepção de pai e de mãe que estão vinculadas diretamente à questão de gênero no Brasil. No Brasil, seja na UEG, na creche da minha filha ou no bar do Jorge, prevalece a concepção de pai como função reprodutiva. Ignoram o pai porque admitem que esse papel, de zelar pelo filho, de amar e cuidar constituem atributos especificamente femininos. O pai goza dentro, depois, se for bom pai, alimenta. E nisso vejo o quanto as instituições de ensino reproduzem a sociedade circundante.

O que a sociedade brasileira produziu em cultura e ações concretas sobre a paternidade até o momento me faz concluir que eu não nasci, dentro desse padrão, para ser pai. Humanista desde minha primeira formação, seminarística, aprendi a ser solidário com as muitas mães que criam filhos sem a presença do pai. Agora pai, e professor universitário, entendo, no dia-a-dia, que o papel reservado aos filhos, na sociedade brasileira, é do pai ausente, mesmo quando ele é presente.
A paternidade é um estado pleno.
Desde que a Sofia passou do 5º mês, sempre que saio, e posso, a levo comigo. Ela vai ao meu trabalho, vai ao supermercado, vai à casa dos meus amigos, vai ao banco e vai ao barzinho. É uma companhia constante. Faço isso por duas razões: porque gosto muito de estar com ela, e porque quero compensar o tempo que passo fora de casa. Será assim também com a Olga, que agora está indo para o 3º mês de vida quando a Sofia já passa do 2º ano.

Em muitos lugares, no entanto, sou olhado com estranheza, e às vezes, com rancor. Simplesmente as pessoas não concebem que o pai possa fazer aquilo que a mãe faz. Já fui insultado duas vezes quando quis usufruir do direito de preferência por estar com criança de colo. Mas, não são apenas esses espaços que, às vezes em silêncio, me constrangem. Me impõem o cerceamento do direito de, plenamente, ser pai.

Sou um professor e tenho uma vida semelhante a de boa parte dos meus colegas, não tenho um patrimônio financeiro que possa, acelerar minha morte e gerar, talvez ainda em vida, disputas no seio da minha família. Mas, vou deixar um legado cultural para minhas duas filhas cujo valor já não consigo precisar, a biblioteca que ia se chamar Sofia, e agora precisa incluir no nome, também Olga e a minha concepção de mundo como espaço plural e da igualdade possível, inclusive a de gênero.

A paternidade tem significado muito, inclusive tem acrescido em mim sempre o desejo de ser melhor. Amo as duas molequinhas, sobretudo quando me roubam o sono e me perturbam nos estudos dessa fase tão difícil que é a reta final do doutoramento. E é por amor e respeito a elas que não quero me enquadrar nesse lugar-valor que reservaram para os pais em nossa sociedade.

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