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terça-feira, 18 de outubro de 2016

A PRECARIEDADE DA EDUCAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL PARAENSE: O CASO DO SISTEMA MODULAR DE ENSINO – SOME

A primeira impressão sobre o sistema de ensino público estadual do Pará é a de que ele tem sido pensado, historicamente, para dar errado. PMDB, PT, PSDB não se trata de sigla, como também não se pode explicar a situação apenas pela excrescência do projeto educacional do atual governo. A constituição da precariedade, portanto, remonta ao passado. Mas é um passado-presente à medida que se pode constatar contínua e agravada.

Se é difícil identificar o princípio do equívoco a nível de política pública, mais trabalhoso ainda é precisar, na ponta, quem partilha da culpa e quem faz o enfrentamento ao problema.

Tive a oportunidade de conhecer, desde que tomei posse em 2009, professores e gestores comprometidos com a educação pública paraense. O SINTEPP, representação classista dos profissionais da educação do Pará, tem oportunizado debates interessantes que vão além da política salarial. A antítese das práticas e discursos desses sujeitos comprometidos com a educação são as políticas públicas e as práticas danosas dos muitos sujeitos que personificam a precariedade e, por isso, são danosos à vida de jovens e adolescentes que esperam na educação uma possibilidade de minoração da sua miséria existencial.

As primeiras percepções do quão é escura a noite que a educação pública paraense atravessa se deram no ensino regular. Alunos concluindo o ensino médio sem saber ler e a escola sem professores de língua portuguesa, em alguns casos porque o professor não aparecia na escola, noutros porque sequer existia lotação nessa disciplina. Registrei uma vez, já em Marabá, cinco meses sem que, na escola, houvessem todos os horários de aula. Apesar disso, a síntese dos equívocos é o Sistema Modular de Ensino, o SOME.

O incentivo para o professor atuar no SOME é uma ajuda de custo que atualmente, 2016, está em 3.600,00. Um valor bom, sobretudo quando se considera que só a soma dessa gratificação com o vale alimentação eleva o salário em 4 mil reais. Então, muitos professores, como foi o meu caso, dispõem-se à empreitada. Tem sido usual o professor atuar num circuito que orbita em torno da escola sede, de modo que as distâncias entre as escolas em que trabalhará são reduzidas significativamente. Isso facilita a vida do professor.

Até aí, tudo bem. Mas, só até aí.

O Estado não tem custo com qualquer estrutura material. A escola, no sentido lato, é apenas uma possibilidade. As aulas realizam-se no espaço possível, o que significa que pode ser tanto numa escola municipal, quanto num barco ou num prédio de associação. O acesso a giz, apagador, Datashow, TV, Internet ou qualquer outro recurso depende da disponibilidade dos municípios, no caso de aulas em escolas municipais, ou da disposição do professor em adquirir com seu próprio dinheiro.

Falta acompanhamento e apoio. Os gestores das escolas sedes não têm condições, nem recursos que lhes possibilitem acompanhar as atividades dos professores do modular. Isso deixa o docente isolado. Há a submissão, ao final do módulo, a uma avaliação da comunidade. Isso é uma inócua tentativa de controle, não acompanhamento, tão pouco apoio.

Para completar o cenário o SOME tem sido um campo fértil para a ação descompromissada. Até 2011 não entendia porque a 4ª URE Marabá recebia tantos professores temporários de Belém que eram lotados no SOME. Com o tempo entendi. Criou-se a cultura de que no Modular não é necessário cumprir carga horária. No retorno da minha licença aprimoramento ouvi do coordenador estadual do SOME que esse era um programa para lotação preferencial de professor temporário. Portanto, nessa acepção, trata-se de um programa sem projeto ou de um projeto sem a perspectiva temporal de futuro. Contratos de curta duração não precisam responder pelas consequências da sua prática docente à comunidade, como também não cria qualquer vínculo com o povo com quem trabalha. Esse é um trabalho sem perspectiva. O professor vem de longe, justifica sua ausência na segunda e na sexta feira porque mora longe e fica tudo por isso mesmo. Essa justificava amadureceu e metamorfoseou-se em outra, como ouvi recentemente de um colega, “segunda e sexta são dias de folga do professor do SOME”.

A questão central é que um módulo tem a duração média de 50 dias letivos, que correspondem a cerca de 7 semanas. Subtraídos 2 dias de cada semana são 14 dias sem aula. Isso significa que, nessa hipótese, um módulo teria, efetivamente, 36 dias de aula e que nesse pequeno lapso de tempo os professores trabalhariam, por exemplo, todos os conteúdos de matemática e língua portuguesa. Mas isso é pouco se considerarmos que, na comunidade onde estou trabalhando, os alunos reclamaram de ter tido uma disciplina de um módulo resumida em 2 dias de aula.

Finalmente chego ao essencial em tudo isso. Tenho conhecido jovens fantásticos. Pessoas cheias de sonhos. Pessoas que querem ir para a faculdade. Alguns, inclusive, vão fazer o ENEM. Entre o direito à educação e o sonho desses jovens há, em muitos casos, o crime da irresponsabilidade do Estado e de alguns docentes.

Para piorar agora o Estado quer reeditar o velho, enfadonho e frustrado telecurso 2000 da Fundação Roberto Marinho. O objetivo é resolver, com uma televisão e um monitor, a questão da mão de obra docente.

Me desculpem os bons professores que atuam no SOME, os bons gestores e até as pessoas bem intencionadas na burocracia do Estado, mas eu precisava desentalar.

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