Um estado dentro do ESTADO

OPERAÇÃO 6 MANDAMENTO: NO ESTADO DE DIREITO NINGUÉM ESTÁ ACIMA DA LEI.

Um dos primeiros artigos publicados em meu blog, em agosto de 2008, consistia-se de uma análise do papel, e da atuação, das Rondas Táticas Metropolitanas, a ROTAM. Já naquele momento, alertava que esse grupo da polícia militar goiana, além de infligir os direitos humanos, ainda abrigava em seus quadros um grupo de assassinos. O que é crítico, no entanto, não é o fato de que esses bandidos usam o símbolo do Estado e atuam em nome da sociedade, o grave é que um número considerável da população considera legítima a ação desses bandidos. 

Era a polícia do Marconi Perillo. É a polícia do Marconi. Demorou, mas finalmente, em 15 de fevereiro a ação do Ministério Público, com o apoio da Polícia Federal, tornou público aquilo que eu já dissera a três anos atrás: a polícia militar goiana comporta assassinos em seus quadros.

Tenho acompanhado, à distância, o desenrolar dos fatos. Já vi vídeos dos reclames dos parentes dos PMs, já ouvi o clamor da imprensa que vive da carniça, programas sensacionalistas como o do Batista Pereira de Goiânia e outros barra pesadas do mesmo gênero. A maioria dos que morreram eram bandidos e os outros, supostos criminosos. Então, a ROTAM estava fazendo um trabalho de limpeza. Tratar-se-iam dos urubus sociais. Quem foi vítima de qualquer um desses criminosos assassinados, antes de serem “passados no ferro” pela ROTAM, certamente devem ter tido um sentimento de desforra. E há aqueles que embora não tenham sido vítimas diretas dos criminosos, como li em várias mensagens na grande rede, acham que não há problema porque “bandido morto, é menos um bandido”.

Entendo esses sentimentos. De fato, quando se é vítima de um bandido, desencadeia-se na vítima um complexo de sensações preponderando uma ânsia de revanche ligada ao sentimento de revolta. Por outro lado, é preciso problematizar a questão. O Procurador Geral de Justiça Eduardo Abdon Moura, comentando a situação declarou à imprensa que “no Estado de direito não se pode admitir a execução de ninguém”. Acrescento a isso que se fosse o caso de a sociedade delegar um supremo poder à polícia e, a partir disso, ela pudesse prender, julgar e executar sumariamente, como tem feito nos casos tornados públicos, para ser justa essa delegação, necessariamente a polícia teria que prender o próprio governador Marconi Perillo que arrebentou com a CELG, teria que prender todos os ladrões do dinheiro público e executá-los porque estes são mais perigosos, e suas ações mais danosas. Na hipótese de um tal poder a regra deveria ser geral.

Mas é o que tem acontecido. A polícia prende, tortura e mata pobres coitados e ignora aqueles que desgraçam com a vida de milhares de pessoas. O roubo de um carro nem de perto pode ser comparado ao roubo do dinheiro da saúde, da educação, da construção de estradas, da merenda escolar e da própria segurança. Quando se rouba o dinheiro da saúde pessoas morrem por falta de médicos, equipamentos e remédios. Quando se rouba o dinheiro da educação o futuro de milhares de crianças torna-se incerto. Os ladrões de carro devem responder por seus crimes, mas se uma mente doente acha que lugar de bandido é embaixo da terra, ela precisa primeiro entender que sua ação é apenas doente e míope porque não consegue atingir a base do crime que, como mostrou o filme de José Padilha, está no Congresso Nacional, mas tem suas faces em Niquelândia, em outros municípios brasileiros e em quase todos os Estados.  

Há ainda um problema de legitimidade do próprio Estado. Como disse a quase três anos atrás “se a polícia faz o que quer, ela não representa o Estado, o Estado tem instituições que precisam ser respeitadas. Estou de acordo, nesse ponto, com George H. Smith no que diz respeito à aceitação, quase geral, da legitimidade das instituições estabelecidas. Estas instituições, contudo, só deveriam ter essa aceitação quando compreendidas dentro da lógica de manutenção do Estado e dos valores da sociedade a que estão ligadas. Assim, num Estado democrático e de direitos a força do Estado, cuja expressão, entre outros mecanismos, é a polícia, deveria atuar no sentido de garantir os direitos e deveres constitucionais o que divergisse dessa máxima já não poderia ser considerado como força emanadora do Estado e, consequentemente, ação ilegal e avessa ao Estado”. Portanto, resulta disso que a polícia torna-se indistinta dos criminosos a quem ela combate. Isso fica mais flagrante quando os membros não citados no processo participaram de uma ação de intimidação à Organização Jaime Câmara que publicou notícias sobre suas ações, mostrando, assim por esta ação intimidatória, que concordavam com os crimes dos seus colegas presos.

A verdade é que a alienação desses pobres diabos, os presos e os livres, não lhes permite perceber que estão no epicentro do conflito de classes. Originários da classe inferior, combatem os seus pares defendendo os interesses da elite sem o saber que estão fazendo. Na sua curta visão o indivíduo é criminoso porque é pobre, porque é negro, porque não está no poder. Se humilham para o político que rouba milhões e matam o ladrão de bicicleta. Matam o traficantizinho insignificante que vende um cigarro de maconha e deixam livre aquele que pratica o tráfico de influência que usa do seu poder para livrar o grande traficante das malhas da justiça, como os juízes que vendem sentença.

Nisso tudo está a origem do Estado. Isso é o Estado. O Estado nasceu para isso: para segregar. A garantia da propriedade e a repressão dos despossuídos só pode ser realizada pela existência de uma força que ignore as suas próprias condições de indivíduo assumindo para si os interesses dos poderosos. Assim, a elite usa outros braços para derramar o sangue do pobre enquanto suas mãos assassinas continuam aparentemente limpas. É em Goiás, é no Amazonas, é no Rio, é em todo o Brasil.