O
governo, em especial a Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da
República, tem demonstrado interesse eloquente no sentido de garantir ao povo
brasileiro um direito à memória e à verdade, tema aliás recorrente em simpósios,
seminários e conferências dos mais importantes espaços universitários do Brasil
hoje. Nesse sentido, paralelo às discussões são abertos, também, espaços à
visitação, como o antigo prédio do DOI-CODI em São Paulo e multiplicam-se,
especialmente em Xambioá, hoje Tocantins, as expedições de busca por restos
mortais de ex-guerrilheiros do PC do B que foram executados pelo exército
durante a Guerrilha do Araguaia.
Durante
mais de 30 anos, familiares e sobreviventes da guerrilha tentam esclarecer os
fatos ocorridos no Araguaia e cobram uma reparação do Estado. O movimento
armado foi organizado em 1966, pelo PC do B (Partido Comunista do Brasil) na
divisa entre Tocantins, Pará e Maranhão, região conhecida como Bico do
Papagaio. Os guerrilheiros eram contrários ao regime militar e queriam
instituir um estado independente na região.
Trabalho do GTA no Cemitério de Xambioá |
Soldados requerem às suas vítimas informações sobre as outras vítimas. |
Xambioá
é uma cidade às margens do Rio Araguaia, numa região fronteiriça entre
Tocantins, de um lado, e o Pará, do outro lado. As expedições concentraram-se nessa
cidade porque existe uma série de registros em livros, documentos e relatos relativos
à guerrilha que apontam Xambioá como o centro de coordenação das operações
contra a guerrilha, local de detenção de presos, tortura e execuções.
A
dificuldade de acesso às pistas levou o governo a, em 2010, criar um número
especial, 0800 605 50 00, para atender informantes que possam oferecer pistas
sobre prováveis locais em que se possam encontrar vestígios dos guerrilheiros. A verdade é que há uma dificuldade de aproximação do povo que tem uma memória ainda muito viva, embora traumática, da Guerrilha do Araguaia. Mas os intelectuais de gabinete, ao que tudo indica, ainda não souberem se aproximar disso.
Em
2011 acompanhei, na distância que me foi permitida, o trabalho dos técnicos no
cemitério de Xambioá. Para um morador local, o pessoal ali constitui uma
lembrança viva da série de filmes “homens de preto”. Nem mesmo o calor e a alta
humidade conseguem fazer os homens da Polícia Federal, do Instituto Médico
Legal do DF e outros agentes do governo se desfazerem de suas roupagens
diferenciadas. O ministro da Justiça e ministra dos direitos humanos estiveram
na área em algumas ocasiões e aí o ritual foi maior ainda.
O
povo de Xambioá, na verdade, é constantemente maculado pelas invasões ao
descanso dos seus familiares profanados sem qualquer respeito. E a eles não é
dada qualquer oportunidade de se fazerem ouvidos.
Sei,
como todos sabem, em especial o povo sofrido de Xambioá, que também foi vítima
da repressão, que os guerrilheiros mortos estão por toda parte. A maioria, cinzas
espalhadas na Serra das Andorinhas.
A quem interessa reparar as marcas da Ditadura sobre os camponeses do Araguaia? |
Vários
envolvidos, aventureiros “da alta burguesia da cidade”, já tiveram seus
parentes indenizados. E os camponeses, que até têm associação, estão à mercê. Contradição
Maior
contradição ainda é o fato de que o governo investe milhões em expedições de
escavação, quando o mais barato e lógico seria impor o poder do Estado sobre o
poder dos militares hoje. Tornando o Brasil um país, de fato,
republicano-democrático, abriria os arquivos militares e, por essa ação, se
poderia saber melhor onde foram parar os corpos dos guerrilheiros.
É
fato, no entanto, que existe ampla historiografia e biografias que justifique
acreditarmos que não existem arquivos, até mesmo em função do caráter clandestino
das operações. Mas, ter acesso à verdade, é não permitir segredos militares de
um lado, e um Estado querendo saber a verdade do outro. Contradição.