"Eu sou eu, tu é tu e macaúba é uma fruta" se auto-define um membro do orkut. Depois de horas-a-fio vagando pelo interminável labirinto da Grande Rede essa apresentação que não parece apresentar ninguém arrancou-me do vazio tecnológico para um mundo de saudades de uma infância cheia de gente simples, de lua, de orvalho da manhã, de lama, de sol, de árvores e, por cômico que pareça, de macaúba. Para situar o leitor pouco entendido da vida caipira, digo que macaúba é uma referencia a um coco-baboso, que em algumas regiões também é conhecido como macaíba e coco-de-espinho; sua identificação científica é acrocomia aculeata. Ela é fruta de um coqueiro da família palmae e pode ser encontrada do norte ao sudeste brasileiro.
Foi exatamente a menção à macaúba que mais lembrou-me da minha, agora já distante, infância. E, refazendo na memória os caminhos da minha infância dou-me conta do poder da linguagem como elemento histórico e psicológico e o paradoxo entre uma vida de conforto que ambicionamos e o permanente desejo de retorno ao estado natural que cada um, ao seu modo, tem.
A infância é um filme que cada um revê ao seu modo. Não sou saudosista. Mas hoje, entre política e livros acadêmicos, vejo com saudade e distante muitas coisas que o tempo tornou cinza. O vago que causam as lembranças da minha infância se equiparariam, imaginando o entendimento de um homem moderno e citadino, a um espaço onde antes havendo grandes e modernos edifícios, derrepente torna-se vazio e poeirento; para um ambientalista, uma reserva preservada de grandes extensões que em algumas horas de fogo feroz, torna-se um chão enegrecido de cinza e carvão. Com essa nostalgia lembro da minha infância.
Nasci num pequenino lugar chamado Piraquê, que depois entenderam de mudar o acento do "é" e virou Piraquê, nunca conheci alguém que entendesse as razões dessa estranha, e feia, mudança. Lá, ao tempo da minha infância, era um vilarejo de umas oitenta a cem casas. Mas eu não morava na rua, morava na fazenda do "seu Zeca Batista", o dono de tudo ali, inclusive das pessoas.
A fazenda do seu Zeca Batista era, para os nossos limitados padrões, grande; mas sua fazenda não era maior que seu poder. Hoje, pensando sobre seu Zeca Batista, acho que ele não se enquadra nem no merecimento do Céu, nem do Inferno. Como todo deus, ele era para nosso povo um pai, mas um pai "ciumento e castigador. Sendo assim, ele distribuía leite a quase todas as famílias e providenciava ocupação para os homens, aposentadoria para as viúvas e inválidos, mas castigava com a morte aqueles que lhe desagradavam, pelo menos é o que diz a tradição oral local.
Na fazenda do seu Zeca Batista passei a minha infância. Não havia tecnologias na fazenda. Os pastos eram roçados à foice e o roçador era chamado juquireiro porque um pasto bastante cheio de mato era chamado juquira. Os invernos eram mais extensos e chuvosos que os de hoje e nos períodos de estiagem chovia um pouco. Aprendi na infância que o inverno é um tempo de chuva e o verão de sol e ainda hoje não aceito a confusão que a mídia faz ao tentar mudar esse conceito. O inverno era o tempo de caça a animais pequenos que como o tatú, cujos buracos onde se escondiam, nesse período, eram mais rasos e no verão era tempo de caçar animais maiores como o caititu e a anta que podiam ser esperados nas árvores de cujos frutos se alimentavam. Não exterminávamos animais, caçávamos o bastante para a alimentação.
Éramos cinco irmãos, quatro meninos e uma menina e no período de roça, entre o plantio e a colheita, nós meninos tínhamos que dividir o tempo entre a lida da roça e a escola, que ficava cerca de três quilômetros da nossa casa.Vista com os olhos de hoje, a roça era um suplício. Andávamos quilômetros à pé por dentro de lama que nos causavam frieira, conhecida entre nós como rói-rói, e, mal calçados feríamos nossos pés porque não haviam estradas. Nas mesmas condições capinávamos a roça e colhíamos o arroz acompanhado pelo nosso paciente e silencioso padrasto.As lembranças da minha infância me dão conta que, como disse Francisco Nunes num informativo on-line intitulado planície heróica, ontem, como hoje, o homem é um duro. O bicho não verga, é rijo. Nos caminhos da minha infância, além do aprendizado, existe muitas lembranças boas; lembranças das pescarias, das tardes entre os galhos de mangueiras, dos banhos nos córregos, das noites de São João quando era feita uma grande fogueira e ficávamos até muito tarde ouvindo os adultos conversar em roda da fogueira enquanto assavam grandes batatas docinhas para nós. Nos caminhos da minha infância o trabalho não tinha a mesma dimensão que tem hoje, o que não diminuía muito o seu fardo. Nos caminhos da minha infância tinha jogo completo, com desempate em pênaltis tudo com bola de meia, nos caminhos da minha infância tinha salve latinha e tinha “cai-no-poço”. Nos caminhos da minha infância tinha muita esperança. De vez em quando programo refazer os caminhos da minha infância. Mas hoje eu sei que estes caminhos já se apagaram porque o terreno existe, mas meu coração mudou.
Foi exatamente a menção à macaúba que mais lembrou-me da minha, agora já distante, infância. E, refazendo na memória os caminhos da minha infância dou-me conta do poder da linguagem como elemento histórico e psicológico e o paradoxo entre uma vida de conforto que ambicionamos e o permanente desejo de retorno ao estado natural que cada um, ao seu modo, tem.
A infância é um filme que cada um revê ao seu modo. Não sou saudosista. Mas hoje, entre política e livros acadêmicos, vejo com saudade e distante muitas coisas que o tempo tornou cinza. O vago que causam as lembranças da minha infância se equiparariam, imaginando o entendimento de um homem moderno e citadino, a um espaço onde antes havendo grandes e modernos edifícios, derrepente torna-se vazio e poeirento; para um ambientalista, uma reserva preservada de grandes extensões que em algumas horas de fogo feroz, torna-se um chão enegrecido de cinza e carvão. Com essa nostalgia lembro da minha infância.
Nasci num pequenino lugar chamado Piraquê, que depois entenderam de mudar o acento do "é" e virou Piraquê, nunca conheci alguém que entendesse as razões dessa estranha, e feia, mudança. Lá, ao tempo da minha infância, era um vilarejo de umas oitenta a cem casas. Mas eu não morava na rua, morava na fazenda do "seu Zeca Batista", o dono de tudo ali, inclusive das pessoas.
A fazenda do seu Zeca Batista era, para os nossos limitados padrões, grande; mas sua fazenda não era maior que seu poder. Hoje, pensando sobre seu Zeca Batista, acho que ele não se enquadra nem no merecimento do Céu, nem do Inferno. Como todo deus, ele era para nosso povo um pai, mas um pai "ciumento e castigador. Sendo assim, ele distribuía leite a quase todas as famílias e providenciava ocupação para os homens, aposentadoria para as viúvas e inválidos, mas castigava com a morte aqueles que lhe desagradavam, pelo menos é o que diz a tradição oral local.
Na fazenda do seu Zeca Batista passei a minha infância. Não havia tecnologias na fazenda. Os pastos eram roçados à foice e o roçador era chamado juquireiro porque um pasto bastante cheio de mato era chamado juquira. Os invernos eram mais extensos e chuvosos que os de hoje e nos períodos de estiagem chovia um pouco. Aprendi na infância que o inverno é um tempo de chuva e o verão de sol e ainda hoje não aceito a confusão que a mídia faz ao tentar mudar esse conceito. O inverno era o tempo de caça a animais pequenos que como o tatú, cujos buracos onde se escondiam, nesse período, eram mais rasos e no verão era tempo de caçar animais maiores como o caititu e a anta que podiam ser esperados nas árvores de cujos frutos se alimentavam. Não exterminávamos animais, caçávamos o bastante para a alimentação.
Éramos cinco irmãos, quatro meninos e uma menina e no período de roça, entre o plantio e a colheita, nós meninos tínhamos que dividir o tempo entre a lida da roça e a escola, que ficava cerca de três quilômetros da nossa casa.Vista com os olhos de hoje, a roça era um suplício. Andávamos quilômetros à pé por dentro de lama que nos causavam frieira, conhecida entre nós como rói-rói, e, mal calçados feríamos nossos pés porque não haviam estradas. Nas mesmas condições capinávamos a roça e colhíamos o arroz acompanhado pelo nosso paciente e silencioso padrasto.As lembranças da minha infância me dão conta que, como disse Francisco Nunes num informativo on-line intitulado planície heróica, ontem, como hoje, o homem é um duro. O bicho não verga, é rijo. Nos caminhos da minha infância, além do aprendizado, existe muitas lembranças boas; lembranças das pescarias, das tardes entre os galhos de mangueiras, dos banhos nos córregos, das noites de São João quando era feita uma grande fogueira e ficávamos até muito tarde ouvindo os adultos conversar em roda da fogueira enquanto assavam grandes batatas docinhas para nós. Nos caminhos da minha infância o trabalho não tinha a mesma dimensão que tem hoje, o que não diminuía muito o seu fardo. Nos caminhos da minha infância tinha jogo completo, com desempate em pênaltis tudo com bola de meia, nos caminhos da minha infância tinha salve latinha e tinha “cai-no-poço”. Nos caminhos da minha infância tinha muita esperança. De vez em quando programo refazer os caminhos da minha infância. Mas hoje eu sei que estes caminhos já se apagaram porque o terreno existe, mas meu coração mudou.