Quintino, líder da resistência armada entre os posseiros. |
No Brasil, desde a colonização, o governo sempre esteve ao lado do grande latifúndio, inclusive o patrocinando. assim, no começo dos anos 80, o governo do Pará concedeu incentivos a uma empresa chamada ''Cidapar'' para que esta se instalasse na região
nordeste do estado, num lugar a muito tempo ocupada por
posseiros. A Cidapar, como era comum no Pará, montou um bando armado que, sob o título de guardas, passaram a praticar todo tipo de violência contra os posseiros, inclusive, matando e torturando pessoas. A polícia, enquanto expressão do Estado, não apenas fingia que não via, como também ajudava os pistoleiros da empresa.
Mas a Cidapar encontrou a resistência dos posseiros que, inicialmente
buscaram apoio do Estado para garantirem seu direito de permanência na terra. A
empresa, como ainda é comum no Pará, se apropriou das instituições públicas, principalmente
da PM e, com um exército de homens armados, começou a forçar os posseiros a
abandonarem suas terras. Percebendo a inutilidade da luta burocrática,
liderados por Quintino, os posseiros resolveram resistir.
Dizem alguns relatos que Quintino Lira
chegou à região foragido da justiça. Fato é que foi ele um dos primeiros
posseiros a perceber a insuficiência da luta política por causa da imoralidade do
judiciário, que sempre dava ganho de causa para quem tinha dinheiro para comprar sua decisão. O governador Jader Barbalho enrolava os posseiros e o judiciário
tomava o partido dos fazendeiros. Foi nesse contexto que começou a história de
Quintino, o gatilheiro. Homem simples, Quintino convenceu um grupo
significativo de que “esquentar banco de tribunal era inútil” e de que era
preciso lutar com as mesmas armas dos inimigos. Começava uma verdadeira
guerrilha no nordeste paraense.
Quintino, cassado como um animal e assassinado como um bicho. |
Tudo começou quando, no final dos anos 1970, a Companhia de Desenvolvimento Agropecuário, Industria e Mineral do Pará (Cidapar), apoiada pelo governo estadual e de acordo com o projeto de desenvolvimento da Amazônia do governo federal, começou a expulsar famílias de uma área de 380 mil hectares, incluindo parte do que viria a ser a Terra Indígena Alto Rio Guamá, onde viviam cerca de 10 mil colonos. A maioria dos posseiros já viviam nas terras desde que, ainda no início do séc. XX, milhares de nordestinos chegaram, enganados, para o trabalho, escravo, nos seringais da Amazônia. Estes e outros grupos que chegaram depois passaram a ser expulsos pelo bando da Cidapar.
O capitão James Vita Lopes comandava a chamada "guarda de segurança", um bando que chegou a ter 102 pistoleiros a soldo da Cidapar. Quando a milícia executou o agricultor Sebastião Mearim, no Alegre, os homens do povoado se reuniram para discutir a defesa. Mas não tinham experiência em combater inimigo tão forte, que tinha apoio político e do judiciário. "Eu sou Quintino, matei um cara que tomou minha terra. Este revólver era dele, este chapéu era dele. Mas defunto não precisa dessas coisas", lembra Benedito Tavares, o Bené Duzentos, no Igarapé do Pau, reproduzindo as palavras de Quintino. "Eu nunca tive coragem", disse Bené ao jornalista Leonencio Nossa, do jornal O Estado de São Paulo. "Ninguém tinha disposição de morrer pelo povo", emendou. "Com a chegada do Quintino, fomos para a guerra."
O Quintino Gatilheiro comandou ações de resistência que mataram vários pistoleiros e dois gerentes da Cidapar. Para a pesquisadora Violeta Refkalefsky, autora do livro Estado, bandidos e heróis - Utopia e luta na Amazônia, "Quintino encarnou o que Eric Hobsbawm entende como o bandido social clássico, no estilo de Robin Hood - um bandido, um fora-da-lei que se volta para a causa dos pobres, fracos e oprimidos".
O dia 4 de janeiro de 1985 foi um dia fatídico para os camponeses. Traído por um comerciante da região, que recebeu a promessa que denunciando o esconderijo de Quintino receberia uma patente de Tenente da PM, Quintino da Silva Lira, o Gatilheiro, que se encontrava na casa de um colono, na localidade de Vila Nova, na Região do Piriá, foi cercado por centenas de policiais militares e, sem qualquer chance de defesa, foi executado a tiros de fuzil.
Morto, covardemente, o corpo do Gatilheiro foi levado para a cidade de Capitão Poço aonde um banquete feito pela elite local saudou os bravos homens da polícia militar.
Morto, covardemente, o corpo do Gatilheiro foi levado para a cidade de Capitão Poço aonde um banquete feito pela elite local saudou os bravos homens da polícia militar.
Um homem que, alguns anos antes, andara com o padre Ricardo Rezende e demais agentes da Comissão Pastoral da Terra, que prometera fazer um governo em prol dos camponeses, acabando com a impunidade e com com a violência que lhes afligia, foi quem, governador, deu a ordem para a PM agir. Esse homem se chama Jader Barbalho. Mas algumas pessoas, do Pará, o conhecem também por Belzebu, também ele sócio da Cidapar.
Mas os camponeses não desistiram e a luta continuou. Em maio de 1986, pouco mais de um ano
depois do assassinato de Quintino na luta pela terra da Gleba Cidapar, o Decreto Nº 92.623 criando o Plano Regional de Reforma
Agrária (PRRA) do Pará desapropriou a área. A ocupação dos posseiros foi consolidadada. O martírio de Quintino
Gatilheiro resultou na vitória dos posseiros contra o "latifúndio", embora não uma vitória completa, tão pouco permanente.