Ninguém tem personificado
melhor o personagem medieval que entretinha as cortes que o juiz Sérgio Moro. O
seu semblante sisudo, no papel que assumiu de último cavaleiro da moralidade,
não deixa de contrastar com o papel que lhe foi conferido pelos agentes, nada
sérios, que estão se esbaldando do vácuo político criado por esse Dom Quixote
moderno.
Membro da elite pura
brasileira e em posse do único cargo público no Brasil que torna seu detentor
semelhante a Deus, o juiz tem sido apresentado como uma das dez personalidades
mais importantes do mundo. Em que pese isso também ter sido dito de Eduardo
Cunha [pelo grupo abril], de fato, Sérgio Moro é, sem dúvida, o homem mais
poderoso no Brasil atualmente. Mas o poder de Moro só vai até onde for
necessário, depois disso, do expurgo de Lula, voltará a ser um juiz
circunstanciado pelos muitos limites da legislação brasileira. Mas, até lá,
Deus pedirá licença a Moro.
Não estou defendendo o Lula,
embora esteja falando da relação Lula-Moro. Não dá pra defender o Lula sem ser
imoral. Mas, igualmente, e isso é um paradoxo, tendo a ética política como base
para a reflexão moral, estaremos para além do bem e do mal, com certeza.
Mais que a relação, claramente
personalista, entre Lula e Moro, chamo atenção para a instrumentalização que se
faz do justiceiro. Claramente, Sérgio Moro e seu esquadrão, se dispõe a
qualquer coisa, independente da Lei, para atingir Lula, ao mesmo tempo em que
não conseguem enquadrar ninguém que tenha como sigla o PSDB. E até o brasileiro
mais ingênuo, à exceção do próprio Moro, já reconheceu a quem serve o juiz.
Não se trata de ação
propositada. Pessoalmente acredito que Moro é muito mais movido pela vaidade do
que pelo desejo de beneficiar qualquer partido. É certo também que o juiz nutre
ódio por Lula, a ponto de aceitar uma denúncia fundada em convicções, talvez a
convicção de que qualquer denúncia serviria, posto que o caso não é provar
culpa, mas colaborar com a execração pública. A vaidade não permite a Sérgio Moro
perceber que suas ações só não encontram limites quando se trata de Lula.
Sérgio Moro certamente ainda não conseguiu entender porque a justiça, no caso o
STF, não intima, para pelo menos esclarecer denúncias, figuras como Aécio
Neves, Romero Jucá, Renan Calheiros e outros tantos mafiosos em atividade no
país.
Sérgio Moro, na perspectiva
destes senhores, é um instrumento. Mas não o instrumento que se acredita ser o próprio
Moro. A representação que faz de si é uma miragem do que ele, Moro, de fato não
é. O juiz Sérgio Moro não faz justiça pela própria parcialidade da justiça que
representa.
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A arte de Taylor Hacford, em 1997, mostrou que a vaidade é o melhor instrumento do diabo. |
Sinto certa tristeza com essa
tragicomédia. Depois de tudo, ainda seremos os mesmos, só que com um Brasil
piorado. Não se pode pretender passar o Brasil a limpo exterminando, a qualquer
custo, um partido num mar de lama constituído pela sujeira de todos os grandes
partidos. A escolha de um partido é o que ela é, escolha. A justiça, por outro
lado, não pode ser dada a efeito a partir de escolhas. A escolha é a personificação
da parcialidade.
O resultado mais significativo
do trabalho de Moro foi o impeachment da presidenta Dilma. E que serviu isso?
Para pôr na presidência um grupo ainda mais corrupto. A própria substituição da
presidenta se deu num quadro conspiratório contra as pretensões da Lava Jato. É
como se a necrose do corpo fosse a consequência da amputação de uma mão. Só se
deve perder a mão se for para salvar o corpo, inclusive o braço, não o
contrário.
Diante desse contexto, com todo meu respeito à dignidade do magistrado, a quem pelo poder que se dá a ele, também temo, encerro com o profundo lamento por esse teatro melancólico. Acredito na utopia do homem por trás da toga na mesma medida em que vejo um homem engolido pela vaidade dos afagos daqueles que querem torná-lo perdido.