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terça-feira, 23 de junho de 2009

A HISTÓRIA DE NIQUELÂNDIA


Dado os inúmeros acessos a esse artigo sobre a história de Niquelândia, estou melhorando o texto. Como sei que boa parte destes leitores são alunos da Educação Básica e pessoas que querem apenas ter alguma informação preliminar sobre o município, então reescrevo o texto imprimindo ao mesmo uma linguagem própria para esse público.

A História de Niquelândia

A capital do Níquel. Mas, Níquel para quem?
Como o povo se beneficia disso?
As primeiras descobertas de ouro na região onde hoje é Niquelândia, segundo Bertran (1998), ocorreu nos primeiros dias de 1735. Portanto, 10 anos depois da bandeira do Anhanguera chegar à região do Rio Vermelho, onde hoje é a Cidade de Goiás e outrora fora Vila Boa. Graças à conhecida Guerra dos Emboabas o Anhanguera pôde, para a devassa, contar com um quantitativo maior de paulistas expulsos da região de Minas Gerais. Foi assim que a bandeira de Manoel Rodrigues Tomar, depois de chegar a onde hoje é o Município de Pirenópolis, alcançou a região de Niquelândia.
A história que todos lêem e ouvem sobre Niquelândia é que foi fundada por Manuel Rodrigues Tomar e Antônio de Souza Bastos, que saíram do Arraial da Meia Ponte (atual Pirenópolis), à caça de ouro, no que dirigiram-se mais para o Norte. Nestas andanças chegaram ao Traíras, hoje Tupiraçaba, onde encontraram ouro de aluvial. O ouro de aluvião é aquele que pode ser colhido no leito dos rios, no caso, era colhido no leito do nosso conhecido Rio Traíras.
Do jeito que a história conta, fica a idéia de que os dois irmãos estavam só, eram heróis com poderes titânicos que podiam vasculhar os rios sozinhos, encontrar ouro e erguer um povoado. O que acontece é que a forma antiga, e ultrapassada, de escrever a história só considerava como digno de ser mencionado nas narrativas as pessoas ilustres. E, no caso, Manuel Rodrigues Tomar e Antônio de Souza Bastos eram os ilustres a serem mencionados. Mas, a bem da verdade histórica, essas pessoas apenas tomavam decisões. Mineradores que eram, viviam rodeados de um grande número de escravos sempre a fazerem todas as suas vontades e caprichos sob pena dos mais duros castigos. Vale lembrar que chefiavam bandeiras e que bandeiras eram expedições que envolviam uma multidão de pessoas.
As minas do Traíras não demoraram a dar resultados. A mineração de cascalho centrada nas margens do Rio Maranhão foi o principal foco da exploração aurífera da região. Paulo Bertran apresenta dois modelos de exploração do ouro na região de Niquelândia: o ´Veio D`água´, que persistiu até 1732 e ´lavras de tabuleiro ou grupiaras´. No primeiro caso, nas palavras do historiador “O ouro de aluvião, metal pesado, acumulava-se ao longo dos milênios sob as quedas d`água, nas curvas dos córregos, na berra dos rios, nos marrachões pedra dentro d`água, etc. Era essa primeira fase, praticamente, um trabalho de coleta de ouro, embora muitas vezes se fizessem necessárias grandes obras de desvio do caudal para se ter acesso ao cascalho acumulado em seu leito”. (BERTRAN, 1985: 21).
Fato é que o sucesso do achado, ou seja, a notícia de terem encontrado ouro no Traíras atraiu um grande número de outros mineradores para a região. Então, Traíras se tornou um grande centro de interesse da economia mineradora da então província de Goiás. Niquelândia nasceu como vila ligada ao Traíras. Dito de outra forma, Niquelândia surge integrando um conjunto de regiões que integravam o Julgado de Traíras em relação a hoje sede do município, a cidade de Niquelândia, era apenas um arraial administrativamente dependente de Traíras. Nesse sentido Cocal, Água Quente, Muquém e São José do Tocantins, bem como os Arraiais de Maranhão, Santa Rita, Piedade e Amaro Leite nascem da prática da mineração cujo ponto de partida foi o Arraial de Traíras.
Na região a mineração prosperou até a segunda metade do século XVIII. O próprio imperador confirmou essa prosperidade fazendo pouso de uma noite no Traíras, ocasião em que foi sede do Império Brasileiro, uma vez que, naquela época, a sede do Império era onde o imperador estivesse. Certamente a visão que o Imperador teve em sua chegada foi de uma vila precária que, com seus mais de 20 mil escravos negros que se curvavam sobre o leito dos rios da região, formavam um cenário dantesco cujo traço de humanidade, num trabalho tão duro, era a existência de uma igrejinha para a alimentação da esperança de uma outra vida melhor, e uma cadeia para provar que ali estava, ainda, a  presença de sua magestade.
Foi a partir da existência desse grande contingente de escravos negros que se formou, a 45 quilômetros de Niquelândia, o Quilombo do Muquém, fato que deu origem ao Muquém, lugar onde muitas pessoas só conhecem pela Romaria de Nossa Senhora D’Abadia, ignorando que aquela comunidade nasceu da luta negra contra a escravidão que se praticava nas minas da região.
O que vai? Imagem da produção em uma das frentes da Anglo American
em Niquelândia, riqueza que se vai.
Em 1755, já declinando a mineração, às margens do Rio Bacalhau, onde logo se cuidou em construir a igreja matriz, foi fundado o Arraial de São José do Tocantins, hoje Niquelândia.  Em 1833 o povoado passou à categoria de Município desmembrado do antigo município de Traíras. Em 1938 a vila passou à categoria de cidade.
No início do século XX, mais precisamente entre 1903 e 1904 o geólogo Freimund Heinrich Brockes encontrou, na Serra da Jacuba, amostras que depois de analisadas em laboratórios provou-se que era de minério de níquel. Esse achado decretava, de vez, a predominância de São José do Tocantins sobre Traíras. Acreditou-se decididamente que esse novo minério tornaria o município próspero. O próprio nome São José do Tocantins foi substituído, em 1943, por Niquelândia, em homenagem ao minério de Níquel encontrado no solo da região.
Em 2012 comemorou-se 277º aniversário de Niquelândia. Mas, porque isso é possível? Primeiro porque nessas histórias de Niquelândia,como a que estou a descrever, excluí-se por completo a existência dos indígenas que foram dizimados, embora vivessem tranquilamente na região. A diversidade de povos e culturas não poderia encontrar cemitério melhor que em Niquelândia. Aqui, negou-se a história indígena, inclusive a forma como foram eliminados e; depois de exterminados os índios, inclusive os que viviam na região do Acaba-Vidas, tratou-se também de apagar a história dos negros que desviaram o leito do Rio Traíras num esforço sobre-humano para tornar rico aqueles que lhes matavam cada dia mais.  
O que fica? Asbestose é uma doença causadapela aeração do pó de amianto.
Soma-se a essa doença, a pobreza pela encarecimento
dos bens de consumo, esse  também um saldo
 da mineração atual em Niquelândia.
E a grande esperança foi a mineração. Mas o que é Niquelândia? Uma cidade pobre, de povo pobre. Com cerca de 40 mil habitantes, destes a grande maioria vive na quase miséria. Então, o que a mineração, inclusive o Níquel, representa para as famílias da periferia de Niquelândia? Vila Mutirão, 3ª Etapa do Jardim Atlântico e os outros bairros pobres, o que significa a expressão “Niquelândia, capital do Níquel”? Existem grandes mineradoras em Niquelândia, o minério não é um recurso renovável, então, o que será Niquelândia, sem qualquer projeto de autonomia econômica, quando acabar esse minério e essas empresas partirem e deixarem aqui apenas as crateras impossíveis de serem soterradas?
Toda história deve ter um propósito reflexivo. Pensar é a maior lição que o historiador pode ensinar.

Fonte:


BERTRAN, Paulo. História de Niquelândia: do Distrito de Tocantins ao Lago de Serra da Mesa. 2a. ed. Brasília: Verano Editora, 1998.
_______________. Memória de Niquelândia. Brasília: Fundação Pró-Moderna, 1985.
_______________. Niquelândia 250 anos. Brasília, 1985.
PALACÍN, Luís. História de Goiás: 1722 - 1972. 5a. ed. Goiânia: UCG, 1989.
SILVA, Moisés Pereira da. A história dos Esquecidos: um outro olhar sobre o Muquém. Uruaçu: 2008. Monografia de conclusão de Curso.