Dado os inúmeros acessos a esse artigo sobre a história de
Niquelândia, estou melhorando o texto. Como sei que boa parte destes leitores
são alunos da Educação Básica e pessoas que querem apenas ter alguma informação
preliminar sobre o município, então reescrevo o texto imprimindo ao mesmo uma
linguagem própria para esse público.
A História de
Niquelândia
A capital do Níquel. Mas, Níquel para quem? Como o povo se beneficia disso? |
A
história que todos lêem e ouvem sobre Niquelândia é que foi fundada por Manuel
Rodrigues Tomar e Antônio de Souza Bastos, que saíram do Arraial da Meia Ponte
(atual Pirenópolis), à caça de ouro, no que dirigiram-se mais para o Norte. Nestas
andanças chegaram ao Traíras, hoje Tupiraçaba, onde encontraram ouro de aluvial.
O ouro de aluvião é aquele que pode ser colhido no leito dos rios, no caso, era
colhido no leito do nosso conhecido Rio Traíras.
Do
jeito que a história conta, fica a idéia de que os dois irmãos estavam só, eram
heróis com poderes titânicos que podiam vasculhar os rios sozinhos, encontrar
ouro e erguer um povoado. O que acontece é que a forma antiga, e ultrapassada,
de escrever a história só considerava como digno de ser mencionado nas
narrativas as pessoas ilustres. E, no caso, Manuel Rodrigues Tomar e Antônio de
Souza Bastos eram os ilustres a serem mencionados. Mas, a bem da verdade
histórica, essas pessoas apenas tomavam decisões. Mineradores que eram, viviam
rodeados de um grande número de escravos sempre a fazerem todas as suas
vontades e caprichos sob pena dos mais duros castigos. Vale lembrar que
chefiavam bandeiras e que bandeiras eram expedições que envolviam uma multidão
de pessoas.
As
minas do Traíras não demoraram a dar resultados. A mineração de cascalho
centrada nas margens do Rio Maranhão foi o principal foco da exploração
aurífera da região. Paulo Bertran apresenta dois modelos de exploração do ouro
na região de Niquelândia: o ´Veio D`água´, que persistiu até 1732 e ´lavras de
tabuleiro ou grupiaras´. No primeiro caso, nas palavras do historiador “O ouro
de aluvião, metal pesado, acumulava-se ao longo dos milênios sob as quedas
d`água, nas curvas dos córregos, na berra dos rios, nos marrachões pedra dentro
d`água, etc. Era essa primeira fase, praticamente, um trabalho de coleta de
ouro, embora muitas vezes se fizessem necessárias grandes obras de desvio do
caudal para se ter acesso ao cascalho acumulado em seu leito”. (BERTRAN, 1985: 21).
Fato
é que o sucesso do achado, ou seja, a notícia de terem encontrado ouro no
Traíras atraiu um grande número de outros mineradores para a região. Então,
Traíras se tornou um grande centro de interesse da economia mineradora da então
província de Goiás. Niquelândia nasceu como vila ligada ao Traíras. Dito de
outra forma, Niquelândia surge integrando um conjunto de regiões que integravam
o Julgado de Traíras em relação a hoje sede do município, a cidade de
Niquelândia, era apenas um arraial administrativamente dependente de Traíras.
Nesse sentido Cocal, Água Quente, Muquém e São José do Tocantins, bem como os
Arraiais de Maranhão, Santa Rita, Piedade e Amaro Leite nascem da prática da
mineração cujo ponto de partida foi o Arraial de Traíras.
Na
região a mineração prosperou até a segunda metade do século XVIII. O próprio
imperador confirmou essa prosperidade fazendo pouso de uma noite no Traíras,
ocasião em que foi sede do Império Brasileiro, uma vez que, naquela época, a
sede do Império era onde o imperador estivesse. Certamente a visão que o
Imperador teve em sua chegada foi de uma vila precária que, com seus mais de 20
mil escravos negros que se curvavam sobre o leito dos rios da região, formavam
um cenário dantesco cujo traço de humanidade, num trabalho tão duro, era a
existência de uma igrejinha para a alimentação da esperança de uma outra vida
melhor, e uma cadeia para provar que ali estava, ainda, a presença de sua magestade.
Foi
a partir da existência desse grande contingente de escravos negros que se
formou, a 45 quilômetros de Niquelândia, o Quilombo do Muquém, fato que deu
origem ao Muquém, lugar onde muitas pessoas só conhecem pela Romaria de Nossa
Senhora D’Abadia, ignorando que aquela comunidade nasceu da luta negra contra a
escravidão que se praticava nas minas da região.
O que vai? Imagem da produção em uma das frentes da Anglo American em Niquelândia, riqueza que se vai. |
No
início do século XX, mais precisamente entre 1903 e 1904 o geólogo Freimund
Heinrich Brockes encontrou, na Serra da Jacuba, amostras que depois de
analisadas em laboratórios provou-se que era de minério de níquel. Esse achado
decretava, de vez, a predominância de São José do Tocantins sobre Traíras. Acreditou-se
decididamente que esse novo minério tornaria o município próspero. O próprio
nome São José do Tocantins foi substituído, em 1943, por Niquelândia, em
homenagem ao minério de Níquel encontrado no solo da região.
Em
2012 comemorou-se 277º aniversário de Niquelândia. Mas, porque isso é possível?
Primeiro porque nessas histórias de Niquelândia,como a que estou a descrever,
excluí-se por completo a existência dos indígenas que foram dizimados, embora
vivessem tranquilamente na região. A diversidade de povos e culturas não
poderia encontrar cemitério melhor que em Niquelândia. Aqui, negou-se a
história indígena, inclusive a forma como foram eliminados e; depois de
exterminados os índios, inclusive os que viviam na região do Acaba-Vidas,
tratou-se também de apagar a história dos negros que desviaram o leito do Rio
Traíras num esforço sobre-humano para tornar rico aqueles que lhes matavam cada
dia mais.
E
a grande esperança foi a mineração. Mas o que é Niquelândia? Uma cidade
pobre, de povo pobre. Com cerca de 40 mil habitantes, destes a grande maioria
vive na quase miséria. Então, o que a mineração, inclusive o Níquel, representa
para as famílias da periferia de Niquelândia? Vila Mutirão, 3ª Etapa do Jardim
Atlântico e os outros bairros pobres, o que significa a expressão “Niquelândia,
capital do Níquel”? Existem grandes mineradoras em Niquelândia, o minério não é
um recurso renovável, então, o que será Niquelândia, sem qualquer projeto de
autonomia econômica, quando acabar esse minério e essas empresas partirem e
deixarem aqui apenas as crateras impossíveis de serem soterradas?
Toda
história deve ter um propósito reflexivo. Pensar é a maior lição que o
historiador pode ensinar.
Fonte:
BERTRAN, Paulo. História de Niquelândia: do Distrito de Tocantins ao Lago de Serra da Mesa. 2a. ed. Brasília: Verano Editora, 1998.
_______________. Memória de Niquelândia. Brasília: Fundação Pró-Moderna, 1985._______________. Niquelândia 250 anos. Brasília, 1985.
PALACÍN, Luís. História de Goiás: 1722 - 1972. 5a. ed. Goiânia: UCG, 1989.
SILVA, Moisés Pereira da. A história dos Esquecidos: um outro olhar sobre o Muquém. Uruaçu: 2008. Monografia de conclusão de Curso.