Como professor, convivo quase todos os dias com moças e rapazes homossexuais. O drama que essa situação transporta para o cotidiano da minha prática docente é o mesmo que circunscreve o contexto de vida dessas pessoas com tendências, e, ou preferências definidamente homossexuais. Isso significa, quando a escola se torna o espaço dessas convivências diversificadas, oscilar entre o silêncio que atordoa e as práticas de discriminação, que marginalizam. Quase sempre a referência, num caso e noutro, é o tabu que torna o tema indiscutido. Ouvimos, todos nós professores, falas criminosas, e também o nosso silêncio, enquanto comunidade escolar, é criminoso.
Mas como superar a crise moral e ética que essa situação revela? Em que consiste essa crise? Primeiro, não pode ser moral, nem ético, que um professor testemunhe um crime no espaço do seu trabalho e se mantenha alheio. Mas a abertura ao diálogo é difícil porque, na maioria das vezes, a própria vítima, acuada, se nega a esse debate. Ser homossexual não é fácil. Alguns, como o pastor Silas Malafaia e o deputado Bolsonaro, poderiam dizer, ainda bem! Mas a dificuldade não é a de escolhas, mas de viver uma escolha que já foi feita.
Quando se trata de adolescentes, o diálogo, na mesma medida em que precisa ser cuidadoso, ainda se torna mais necessário. Não se trata, é óbvio, de defesa da homossexualidade, ou de condenação. Mesma a exploração do tema, no sentido explicativo conceitual, é uma via-crucis já que o tema ainda não foi muito bem digerido nem nos meios sagrados (igrejas), onde alguns pastores se ressentem contra os gays e outros se sentem gays, nem nos meios profanos (a ciência biológica, por exemplo). O professor não deve fazer opção, mesmo quando ele próprio tem uma opção. Não se trata do que ele é, enquanto pessoa. A defesa tem que ser da dignidade humana. Ninguém deixa sua condição de Ser Humano porque é gay. É isso que precisa ser refletido. Se a pessoa não deixa sua condição humana em função da sua escolha sexual, é preciso que a Legislação brasileira seja respeitada e o homossexual seja tratado com todos os direitos e deveres prescritos nas leis brasileiras, o que inclui respeito e o direito de não ser discriminado em função da diversidade de que sua pessoa é portadora.
Se na adolescência a sexualidade ainda não esta plenamente definida, um professor não pode manter-se impassível enquanto um aluno seu é agredido moralmente por parecer "um gayzinho". Não se trata, no entanto, nessas circunstâncias, de apenas de esclarecer a homossexualidade enquanto direito a partir de uma liberdade sexual presumida; mas da defesa intransigente da dignidade humana. Combater a homofobia no espaço escolar não é fazer apologia ao homossexualismo, ao contrário, é mostrar-se pessoa de bem, que respeita o próximo tanto na perspectiva do sagrado, quanto no sentido civil. Creio que toda sã religião, como toda pessoa de bem, deve primar por esse princípio, o do respeito.
A ação daqueles que não respeitam a opção sexual da outra pessoa ficou popularmente conhecido como homofobia. E a homofobia, enquanto ação de desrespeito, e é isso que a homofobia é, constitui um crime grave que deve ser banido do espaço escolar. A homofobia, nos casos mais extremos, revela uma personalidade doentia que, sob o véu da negação, substancia-se em ações violentas que põe em risco, e às vezes põe termo à vida, de um ser humano pelo simples fato de presumir tratar-se de um homossexual. Em alguns desses casos, o agressor é uma pessoa cuja sexualidade conflita entre entre o desejo de também o ser, e a proibição moral subjetiva que nega os seus próprios instintos, que são homossexuais. Desse conflito resultam as ações extremadas que resultam em agressão ao outro que, diferente dele, entregou-se aos impulsos a que o agressor resiste.
Enquanto a escola, espaço de reprodução dos valores sociais, fica muda, a igreja e até personalidades políticas alardam o tema de acordo com seus interesses particulares. E a homossexualidade deixa de ser um direito da pessoa, que é livre para ser o que quiser, para tornar-se instrumento de oratória do púlpito e do palanque. Pessoalmente penso que o deputado Jair Bolsonaro, do PP-RJ, deveria estar na cadeia. Da mesma forma, acredito que é hipócrita a forma como o pastor Silas Malafaia fala do tema. Ele, Malafaia, o verdadeiro "pastor joão da igreja invisível", deveria estar preocupado com o espírito das pessoas homossexuais e, por essa melhora do espírito, cada um examinaria a sua vida naturalmente, e não ocupar-se de grandes discursos de combate a direitos fundamentais cuja competência não é da igreja, porque o Estado brasileiro é laico.
O deputado Bolsonaro, que ainda não está na cadeia porque a cultura brasileira é de pensar natural o desrespeito à pessoa, sobretudo quando se tratam de pessoas cujo passado, ou presente, é militar, considera normal declarar que negros e gays são existências inferiores e que, talvez por isso, merecem apanhar aqueles que se entregam a tal baixeza, de envolver-se com negros/negras, ou ser homossexual. Nos seus discursos fica implícito a validação, por uma pessoa pública, de ações violentas contra negros e homossexuais. O deputado Bolsonaro é o que temos de mais próximo do fascismo.
O silêncio da escola torna válido o discurso dos loucos. Se a escola não disser nada, a verdade que irá prevalecer será a do pastor Silas Malafaia, que considera o homossexualismo uma doença e um espírito do capeta, e de Jair Bolsonaro, que acredita que a violência, umas porradas, talvez, seja suficiente para expurgar a homossexualidade. Como poderiam os adolescentes portarem-se de outra forma diante de um colega "gayzinho" se o deputado Bolsonaro diz que umas palmadas resolvem, e se o pastor Silas Malafaia diz que é coisa do capeta. Então, o homossexual é, antes de tudo, a personificação do demônio cuja expurgação poderá ser feita através de um ritual exorcista variante entre porradas e orações.
Não é essa a sociedade que queremos. A sociedade que queremos é a sociedade que prima por uma cultura de paz. Mas, a paz só pode advir da justeza social, da amenização das desigualdades e do respeito à pessoa. O papel da escola é o de valorização da singularidade na pluralidade. Não se trata de segregar, mas de incluir o singular no plural sem homogenizar.