É
muito grave e preocupante o caso do professor Rafael Saddi, docente da
Universidade Federal de Goiás, UFG, perseguido pelo governo de Goiás depois que
expôs o terrível esquema por trás da proposta de gestão escolar pelo sistema de
organizações socais apresentado pelo Governo do Estado de Goiás, Marconi
Perillo.
Homens
armados, sem identificação. Carrancudos. Homens da escola de produzir medo. O
professor foi conduzido a uma delegacia. Lavrou-se boletim e estabeleceu-se
abertura de inquérito contra ele. No processo, ao que tudo indica, vão querer
saber a medida da razão e o alcance da imaginação do professor Saddi. Teatro
dos vampiros. Uma mente jovem e brilhante ameaçada pelo ácaro das celas frias.
Um cara que gosta de rock ameaçado pelos homens que comem cabeça de gente que
pensa. Tudinho daquele jeito que se fazia alguns anos atrás quando policiais
invadiam casas no meio da noite e levavam pessoas para responderem inquéritos
os mais sórdidos possíveis. Maldita, ditadura.
Walter
Benjamim considerava que o monopólio da violência pelo Estado era o pressuposto
da sua existência. Essa, aliás, foi a evolução entre os feudos e a
centralização do poder, o monopólio da força. A modernidade despiu o chefe de
Estado da possibilidade da tirania a fazê-lo dividhoir o poder e ele próprio o
exerce apenas na medida da vontade do povo. O contrário disso, é o
totalitarismo. E todas as tragédias do nosso tempo decorreram dessa
centralização totalitária do poder. O nazismo, o fascismo e o stalinismo são os
exemplos mais conhecidos.
Essa
experiência, que me parecia possível apenas no contexto de um controle mais
amplo, da nação, está sendo vivida atualmente em Goiás. Marconi Perillo é hoje,
sem dúvida, o homem mais perigoso e temido em Goiás. Os juízes lhe servem. O
legislativo lhe obedece. A imprensa lhe bajula. Não há um segundo ou um
terceiro poder, há apenas a sombra do manto todo poderoso de um homem, o
governador, contra quem não se pode levantar a voz sob o risco da destruição
social sob múltiplas manifestações, desde a prisão fria sob acusações inglórias
às injúrias públicas vergonhosas lançadas ao vento e colhidas pela mediocridade
da sociedade que alimenta o monstro personificado nesse governo.
Acusam
o professor Saddi de formação de quadrilha. Na Grécia Antiga o pedagogo, ou o
professor, acompanhava e zelava pelos seus discípulos. É da natureza da
docência a defesa dos alunos. Em história à fabricação de fatos, nós chamamos
de falsificação. Uma característica do totalitarismo é exatamente o poder de
fabricar e dar sentido aos fatos. A ditadura torna viva a fábula do lobo onde
não importa a verdade, importa o poder que o lobo tem de devorar o mais fraco.
O
governador é como a madrasta da branca de neve, não admite outro reflexo que
não seja o da sua glória. Assim, por escrever esse texto, sei que posso sofrer
represálias. Há muito perdeu-se, em Goiás, a liberdade de se falar do governo
qualquer outra coisa que não sejam elogios. E para os elogios há os grandes,
como o Diário da Manhã, O Popular, Jornal Opção.
Saddi
tornou-se criminoso, na ótica do Estado, quando explicou o que eram as OSs. O
Sistema de OS consiste na contratação, pelo Estado, de uma empresa para gerir
as escolas públicas, da limpeza ao contra.to do professor. O dinheiro a ser
investido com educação, o maior gasto que o Estado tem, não será mais aplicado
diretamente pelo ente público, mas repassado a uma empresa para que esta o
administre como seu. A escola pública vira um negócio privado, só que bancado
com dinheiro da sociedade.
Professores e grupos socais lutam contra o autoritarismo de Perillo. |
No
norte do Estado tenho conhecimento da primeira OS formada, especialmente para
firmar contrato com o Estado. Na presidência está uma figura execrável que,
depois de ter sido considerado o reizinho da ueg, foi expulso após uma ocupação
do prédio da reitoria. Era o reitor de botas, sujeito que comandou a UEG, a
serviço do Marconi Perillo num dos tempos mais inglórios da instituição. Agora
vai ficar com a fatia do norte, na divisão do queijo entre os ratos, que não
são poucos.
Foi
contra isso que Saddi indignou-se.
Sartre,
num belo texto em resposta às críticas marxistas que sofria, disse que os
homens são determinados pelas escolhas que fazem e as escolhas são feitas em
face das circunstâncias. O engajamento intelectual, nesse sentido, resultaria
da determinação em comprometer-se com a transformação do mundo ou, nesse caso,
simplesmente não resignar-se ao silêncio frente ao arbítrio que se instalou em
Goiás.
Saddi
poderia, como um marxista, discursar sobre as mazelas do capital enquanto
degusta uma Bohemia ou antártica original. Mas preferiu ajudar divulgar
informações sobre as OSs e acompanhar, e criticar, a violência policial contra
os alunos que resolveram ocupar as escolas em que estudavam como forma de dizer
não às OSs. Poderia, nada fazendo, guardar toda energia para um discurso
didático teorizando a realidade sobre a qual não atuou. Mas preferiu teorizar
intervindo no mundo. A você Rafael, todo o meu respeito.