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Aproveito o
texto do colega, professor Claudemir Mazucheli, sob o título “Governo do Estado
de São Paulo distribui livros com conteúdo impróprio aos alunos, de novo...”
para relembrar a crítica que fiz à Secretaria Municipal de Educação de Marabá,
sem ser ouvido, a respeito da mesma obra: “os cem melhores contos brasileiros
do século, de Ítalo Moriconi, justamente por considerar algumas leituras impróprias para a faixa etária atendida pela escola, alunos desde a primeira fase do ensino fundamental (primeiro ao sexto ano).
Em São Paulo,
conforme narra o professor Mazucheli, a Secretaria de Estado da Educação do
Estado de São Paulo realizou a distribuição gratuita de livros de literatura a
todos os alunos do 3° ano do Ensino Médio, incluindo aí o livro mencionado. Em
Marabá, a obra não foi distribuída, mas colocada na biblioteca – numa escola de
ensino fundamental, portanto, alunos entre 06 e 16 anos –ao alcance de todos.
Na Escola
Municipal Pedro Perez, onde estudam alunos da primeira e segunda fase do Ensino
Fundamental, portanto de 1º ao 9º ano, pondero a média de idade em 12 anos, e
considerando a faixa etária dos alunos da rede estadual de São Paulo em 16
anos, como afirma Mazucheli, o título “Os
cem melhores contos brasileiros do século” certamente sugere qualidade. No entanto, a publicação da editora Objetiva, do Rio de Janeiro, organizada por Ítalo
Moriconi em 2001 e que abriga contos escritos por grandes nomes da literatura
brasileira, como Machado de Assis, Lima Barreto, Graciliano Ramos, Monteiro
Lobato, Carlos Drummond de Andrade, Rachel de Queiroz, Érico Veríssimo, Clarice
Linspector entre apresenta narrativas inapropriadas para a faixa etária atendida pela escola Pedro Perez, como para qualquer outra escola de Ensino Fundamental, primeira e segunda fase.
Certamente, é
uma bela obra. Mas, dentre todos esses grandes nomes da literatura brasileira,
considerando o fato de que livro, no caso de São Paulo, foi destinado aos
adolescentes de 16 anos, e em Marabá para crianças alfabetizadas, entre 06 e 11
anos e que, ao seu interesse podem solicitar qualquer livro na biblioteca,
roubaram a cena: Ignácio de Loyoloa Brandão, com o conto "Obscenidades para uma
dona de casa"; p. 471 e Myriam Campello, com o conto "Olho"; p. 548.
Se considerarmos a proposta da obra,
descrita por Ítalo Moriconi na sua introdução, “[...] Tratava-se de fazer uma
leitura com olhos livres, uma leitura desprovida de preconceitos doutrinários e
teóricos,”[MORICONI, 2001, p.16] em momento algum faz-se a sugestão de que a
obra se destine a apreciação de menores de idade. (aliás, subjetivamente, os
indícios do discurso sugerem justamente o contrário…).
Nesse sentido, sem ter o objetivo de
simplesmente criticar a obra ou condenar seus autores, numa espécie de censura,
observamos que a escolha específica dessa obra para distribuição gratuita aos
alunos do 3° ano do Ensino Médio (não esqueçamos que isso significa uma
licitação avaliada em alguns milhões de reais) não obedece, por exemplo, à
classificação de conteúdo e faixa etária imposta pelo Ministério da Justiça aos
grupos de comunicação.
Provavelmente, diante dessa
argumentação, algumas pessoas podem questionar se esse excesso de “proteção”
condiz ou não com a realidade cotidiana dos adolescentes de nossa época.
No conto “Obscenidades para uma dona de casa”, a narrativa se desenvolve a partir da expectativa de uma personagem que vive como dona de casa e espera diariamente por cartas enviadas pelo correio, com propostas e insinuações sexuais que geram um conflito com os valores de sua criação, de forma que a personagem passa a viver com intensa ansiedade em função da espera de novas cartas. O enredo é bom. A literatura é de boa qualidade. Mas, a aluna iniciou a leitura do texto que passo a reproduzir. Ainda nas primeiras linhas de interrompi. Mas, aqui, reproduzo alguns trechos do mesmo texto que precisei interromper:
[...] Mulher, quando quer, sabe ser pior do que homem. Sim, só que
conhecia muitas daquelas amigas, diziam mas não faziam, era tudo da boca para
fora. A tua boca engolindo inteiro o meu cacete e o meu creme descendo
pela tua garganta, para te lubrificar inteira. Que nojenta foi aquela
carta, ela nem acreditava, até encontrou uma palavra engraçada, inominável. Ah,
as amigas fingiam, sabia que uma delas era fria, o marido corria louco atrás de
outras, gastava todo o salário nas casas de massagens, em motéis. E aquela
carta que ele tinha proposto que se encontrassem uma tarde no motel? Num quarto
cheio de espelhos, para que você veja como trepo gostoso em você,
enfiando meu pau bem no fundo.
[...] Qual pode ser a reação de um homem de verdade, que se preze, ao
ver que a mulher está recebendo bilhetes de um estranho? Que fala em coxas
úmidas como a seiva que sai de você e que provoquei com meus beijos e com este
pau que você suga furiosamente cada vez que nos encontramos, como ontem à
noite, em pleno táxi, nem se importou com o chofer que se masturbava. Sua
louca, por que está guardando cartas no fundo daquela cesta? A cesta foi a
firma que mandou num antigo natal, com frutas, vinhos, doces, champanhe. A
carta dizia deixo champanhe gelada escorrer nos pelos de sua bucetinha e
tomo embaixo com aquele teu gosto bom. Porcaria, deixar champanhe escorrer
pelas partes da gente. Claro, não há mal, sou mulher limpa, de banho diário,
dois ou três no calor. Fresquinha, cheia de desodorante, lavanda, colônia.
Coisa que sempre gostei foi cheirar bem, estar de banho tomado. Sou mulher
limpa. No entanto, me pediu na carta: não esfregue desse jeito, deixe o
cheiro natural, é o teu cheiro que quero sentir, porque ela me deixa louco, pau
duro. (p. 473).
Literatura é
democracia. Aceita vários gêneros e com certeza a escrita apresentada no conto
tem seu público. Mas, será que é adequado oferecer essa literatura a quem não
saiu da adolescência? Será que essa linguagem peculiar de tratamento da
sexualidade ajuda a desenvolver a maturidade dos alunos da rede estadual de São
Paulo ou da rede municipal de Marabá?
[…] Não consigo ler direito na primeira vez, perco tudo, as letras
embaralham, somem, vejo o papel em branco. Ouça só o que ele me diz: Te
virar de costas, abrir sua bundinha dura, o buraquinho rosa, cuspir no meu pau
e te enfiar de uma vez só para ouvir você gritar. (p. 477)
É um texto bom para o exercício da imaginação. Mas, se lido com crianças, alguns entrando na adolescência, talvez essa não fosse a melhor abordagem sobre esse tema.
E não se trata de um único conto. Em olho a narrativa descreve um tema ainda mais polêmico, embora em linguagem menos explícita. O conto apresenta o tema da docência a partir do incesto que, do desejo à prática, coloca um professor universitário de Botânica diante da própria irmã:
E não se trata de um único conto. Em olho a narrativa descreve um tema ainda mais polêmico, embora em linguagem menos explícita. O conto apresenta o tema da docência a partir do incesto que, do desejo à prática, coloca um professor universitário de Botânica diante da própria irmã:
Quando ela acorda, põe imediatamente o seio esquerdo em minha boca. Sei
muito bem que não é assim que se começa uma história. […]
Português de nascença e ex-seminarista de hábitos metódicos, não que a
solidão eu possa suportá-la. Mas na de minha irmã e eu que vivemos sós nesta
casa há uma tal qualidade de exílio e afastamento dos homens que por vezes nos
sufoca ao impossível. Não há a quem falar. Do que acontece, não se pode dizer
por proibido. Vivemos arredios, sem sociedade com outros além de um boa-tarde
seco, um bom-dia reservado que marca limites.[...]
Minha irmã se que sente-se como eu, embora minta: não quer aumentar a
angústia que lê em meus silêncios. Ou por outra, sente-se como eu embora feita
de material diverso. É mais forte, talvez. Talvez mais livre. Onde hesitei
sequer pestanejou, radiosa como a Epidendrum fragrans S. W, a
mesma nitidez alba, a mesma elegância. Sua paixão tem a firmeza imaculada
de certas sépalas, de certas pétalas. Mas tanto a ela quanto a mim se alguém
nos oferecesse voltar no tempo faríamos tudo igual, privilégio dos atos
perfeitos.” (pp. 548-549).
Embora nas
primeiras páginas do conto a linguagem não seja um problema, reitero que essa temática, da forma posta pelo conto não é adequada para um público infantil ou adolescente.
[...] A primeira carta anônima meteu-se à minha correspondência mês
atrás, caída do azul. Repelente como papéis desse tipo, dizia apenas “eu sei
tudo” em letra forçada, velando-se. Estupor e medo subiram por mim. Como
podia ter visto algo e o que se minha irmã e eu só em casa nos tocamos?
Dando aulas à noite, passo por uma rua escurecida por grandes exemplares
de Ficus religiosus, troncos imensos mergulhados na sombra que os
namorados aproveitam como ponto de apoio. Por que também não posso levar
minha irmã para lá, erguer sua saia e comê-la contra a casca rugosa? (pp. 549-550).
O tema do incesto parece ter caído nas graças do autor. E ele avança sobre essa perspectiva inserindo o leitor nos recônditos dos corações devassos.
Há cinco dias nova carta anônima chegou-me às mãos. “Estou de olho em
vocês”, rezava a mesma letra sob a máscara. […] Inconscientemente, assumo
posições escabrosas para agradá-lo. Quando derrubo minha irmã na cama, sei
que o olho me vê e meu pau lateja mais duro. Invado-a então com o vigor de quem
escava um poço. Ontem a machuquei. Mas, não reclamou, como se por alguma razão
também necessitasse disso. Ao contrário, dilacerou-me as costas num êxtase
profundo, secreto. Enfiado em sua vagina, vasculhei-a com a violência de
um estupro. Agora somos três. A lembrança disso logo me faz enchê-la de um
jorro quente e espumante. (p. 551).
A opção pela docência é o caminho à infelicidade. A escolha apresenta-se como um autoflagelo. É incrível, aliás, como a sensualidade pervertida se relaciona com o perfil do professor fracassado e infeliz.
Morrendo-me a mãe viúva há quatro anos e não
suportando mais o seminário, resolvi abandoná-lo. O sexo aguilhoava-me além do
que se pedia a um sacerdote. Para evitar futuro desgosto à Igreja, e a mim
um contínua infelicidade, decidi ser professor.
Um dia, certa greve de professores me fez
voltar mais cedo do trabalho. A casa boiava em silêncio, como sem ninguém.
Larguei livros e um caderno cheio de meus traços em qualquer lugar
e empurrei a porta do banheiro. Com um movimento de susto, minha irmã
cobriu-se com a toalha. Acabara de tomar banho e não esperava tão cedo a minha
volta. Durante um longo momento ficamos ali, um diante do outro, imóveis. O
coração selvagem. Meu primeiro impulso foi virar-se e sair, mas forças
contrárias o combateram, paralisando-me. Finalmente, o desejo me
sufocou. Fui até ela e puxei a toalha. Ainda tentou resistir, virou-se mas
acabou cedendo, posso dizer que muito menos à força do que à minha vontade. O
grande espelho do banheiro viu quando beijei sua nuca loura e explorei-lhe o
odor, minha boca eriçando os pelos sedosos, a fronteira entre pele e pelo que
sempre quisera sondar. (p. 551).
Vai ver que é
por isso que o Governo manda a tropa em cima dos professores durante as
manifestações de greve…
Virei-a de frente. Nosso banheiro tem uma antiga pia de mármore, muito
sólida. Ergui minha irmã e sentei-a ali, naquela borda. Quando abri a boca ela
sentiu minha respiração dolorida, apressada como a de um animal que sofre, só
podia fazer mesmo o que fez. Pegou o seio duro com a mão e o pôs em minha boca.
A mucosa incendiada de febre o envolveu. Minha língua rolou pelo mamilo
tentando derretê-lo, açoitando o botão de carne em todas as
direções. Chupei, mastiguei, devorei seus seios com uma fome antiga.
Sempre os mastigo longamente antes de caminhar pelo resto de seu corpo.
Azeitonas que se enrijecem, vermelhas, e largam seu suco em minha boca.
Puxei-a para o quarto e joguei-a na cama. Com a língua, umedeci
sofregamente e por muito tempo as fendas de seu corpo. Quando a cobri, ela
quis. Abriu-se como uma fruta que se racha no solo. O desejo é um vagalhão
enfurecido, avalanche que se nutre do próprio excesso para melhor derrubar e
engolir. Iniciado, nada pode detê-lo. Se abrissem a porta e me vissem dentro de
minha irmã, gozando-a, meu sêmen se estancaria? Penso que não. Uma vez
explodindo, é esperar que a convulsão cesse por si mesma. Assim, fomos de
roldão nas asas da carne até que o esgotamento nos fez dormir, eu ainda com o
membro dentro dela.” (p. 552).
De qualquer
forma, não temos a menor intenção de levantar um estandarte de moralidade.
Muito menos, compartilhamos da visão autoritária que varreu o país do inicio da
década de 1960 e permaneceu sufocando nossa sociedade até recentemente.
Censura,
nunca mais. Mas, existe uma diferença fundamental entre censura e adequação de
conteúdo à faixa etária a que ele se dirige. Tanto é necessário, que certas publicações
vendidas em bancas de jornal ou certos filmes disponibilizados para locação
devem ter um espaço reservado, de maneira que seu acesso corresponda à classificação etária do público.
Interessante, por exemplo, que a televisão que apresenta uma classificação indicativa, por faixa etária, para cada
programa a ser veiculado. Não para bloquear o acesso, mas para alertar os
espectadores, no sentido educativo. Não é a televisão que regula o acesso à programação, embora ela o faça ao distribuir a programação na grade de horários reservando a público adulto programas noturnos e os classificados para todos os públicos durante o dia, quem deve regular são os pais.
Assim, acredito que o a Secretaria Municipal de Educação de Marabá deveriam à época, 2011, explicar à sociedade e a Justiça os critérios pedagógicos utilizados para a
escolha dessa obra de conteúdo adulto para ser disponibilizada a crianças e adolescentes nas bibliotecas municipais de Marabá.
Quanto à minha experiência, de leitura em sala, ainda hoje me pergunto se terá sido por pura sacanagem, contra o professor, que a aluna propôs tal leitura. Acho que sim! Os pedagogos dirão, no entanto, que perdi uma boa oportunidade de, tal como manda as orientações curriculares, promover a transversalidade. Do meu lado, sei que em tempo tirei o meu da reta ao, sob protestos generalizados, dar a leitura por encerrada ainda no início.
NOTA: com adaptação, de: MAZUCHELI, Claudemir. Educadores em Luta. In: http://educacadoresemluta.blogspot.com.br.
Bibliografia
MORICONI, Ítalo (org.). Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
Bibliografia
MORICONI, Ítalo (org.). Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.