Apesar de a grande maioria das pessoas
já perceber que a Guerra do Paraguai não foi uma disputa de mocinhos e
bandidos, pouca coisa foi escrita sobre esse importante acontecimento, que
normalmente é estudado de forma superficial. Para compreendermos esse conflito,
é necessário entender o conjunto de interesses envolvidos, superando o
maniqueísmo que envolve a relação de Brasil e Paraguai e aprofundar o
entendimento sobre o papel do imperialismo inglês.
O PARAGUAI tornou-se independente em
1811, no quadro de crise do Antigo Sistema Colonial espanhol, quando da
dominação napoleônica na Península Ibérica. Assim como em outras regiões da
América, a elite criolla liderou o movimento, porém permaneceu vinculada à
antiga ordem, mantendo seus tradicionais privilégios. A necessidade de
desvincular-se das pretensões de Buenos Aires contribuiu para o inicio da
formação do Estado Nacional, que tornou-se mais efetiva a partir de 1814, com a
ascensão de José Rodrigues de Francia.
Iniciava um governo centralizado,
ditatorial. O poder concentrou-se nas mãos de El Supremo, ditador perpétuo do
país. Francia iniciou uma transformação radical no país, uma vez que sua
ditadura passou a apoiar-se nas camadas populares, com a eliminação da
escravidão, a redução drástica do poder da Igreja Católica e com a criação das
“Estâncias da Pátria”, fazendas estatais, onde o trabalho era comunitário,
sendo que a metade da produção ficava com o Estado; deu início ainda a
organização do ensino, que em poucos anos acabaria com o analfabetismo.
Apesar da precariedade da economia do novo país, há um processo de crescimento e lentamente Francia busca a modernização: a produção agrícola aumenta e forma-se uma base de sustentação interna fora do modelo britânico, já dominante na maioria da América.
Ao mesmo tempo formou-se uma grande
oposição a seu governo fora do Paraguai: a antiga elite desterrada e as camadas
dirigentes das nações vizinhas, particularmente a Argentina e o Brasil. O
Paraguai tem, desde o início, grande dificuldade de exportar sua produção - os
principais produtos eram o fumo e o erva mate - uma vez que depende do Rio da
Prata, dominado pelos mercadores de Buenos Aires.
Em 1840 com a morte de Francia, assume o poder Carlos Antonio Lopez, apoiado em um discurso de “modernização” e “progresso”, Lopez manteve a centralização política e aprofundou o isolamento do país frente ao capital internacional. Ferrovias e pequenas industrias foram criadas com a contratação de especialistas estrangeiros e a educação continuou a ser estimulada pelo governo. “Tudo o que o Paraguai consome, ele mesmo produz”. Porém essa autonomia é precária, apesar do desenvolvimento interno do país, a pobreza ainda é muito grande (menor do que no período colonial) porém todos tinham trabalho e a alimentação básica. O enfraquecimento da Igreja em oposição ao fortalecimento do Estado; a organização de uma estrutura militar e a elevação do nível de vida, garantiam o apoio popular à ditadura. É importante lembrar ainda que a criminalidade havia praticamente desaparecido.
Nessa sociedade, 80% da população era
“Índia”, que passava a desfrutar dos mesmos direitos civis que possuía a
população branca. Em 1862 Francisco Solano Lopez assume o lugar do pai e
preserva a política ditatorial. Solano pretendia construir o “Grande Paraguai”,
porém a situação interna e externa se modificavam rapidamente e levariam o país
à guerra.
O BRASIL, única monarquia na América e
região que preservou a unidade territorial após a independência, vivenciou duas
décadas de intensas lutas regionais ao mesmo tempo em que preservou as
estruturas coloniais. O Primeiro Reinado e o Período Regencial foram marcados
por grave crise, que começou a ser superada com o governo de D Pedro II, com o
aumento das exportações e com a consolidação do Estado Nacional.
Apesar de adotar um modelo político
monárquico centralizado, o Brasil era governado pelas elites agrário
exportadoras, influenciada por uma pequena elite urbana vinculada a importação
e exportação e associada ao capital inglês. A maior estabilidade política
verificada após 1850, deveu-se ao maior equilíbrio entre as elites regionais,
que por sua vez foi possível com o aumento das exportações, principalmente de
café. No entanto, se as exportações aumentavam, o mesmo acontecia com as
importações, determinando um crescente déficit nas finanças do Estado. A crise
econômica aprofundava-se, em grande parte devido à submissão do país ao
capitalismo inglês. A Maior parte da produção agrícola era exportada para a
Inglaterra, assim como a maior parte de nossas importações provinha desse país.
Os investimentos em infra estrutura eram feitos por banqueiros ingleses, que ao
mesmo tempo controlavam bancos e as casas de importação e exportação e
emprestavam dinheiro diretamente ao Estado. Mesmo durante a ruptura de relações
diplomáticas entre os dois países, as relações comerciais foram mantidas.
A ARGENTINA foi um dos primeiros países
a proclamar sua independência, em 1810, com a formação do cabildo de Buenos
Aires; no entanto, desde esse período, as lutas internas foram intensas devido
aos vários interesses regionais, destacando-se principalmente a disputa entre
unitaristas e federalistas, possibilitando o desenvolvimento do caudilhismo.
Mesmo a existência de uma Constituição e de governos centralizadores, como a
ditadura de Rosas, não conseguiram, na [prática, forjar a unidade nacional,
pois os interesses regionais chocavam-se entre si e principalmente com os
interesses de Buenos Aires.
Essas divisões internas acabaram por
facilitar a dominação econômica da inglesa. A Argentina possuía uma economia
exportadora, tanto de produtos derivados da pecuária, como de gêneros
agrícolas, e a elite da capital, ligada ao comércio, aumentou seus vínculos com
o capital britânico. A visão em relação ao Paraguai era um dos poucos motivos
que poderia unir os distintos interesses argentinos: Nos anos posteriores a
independência, a Argentina pretendera a anexação do Paraguai, uma vez que
faziam parte do mesmo território colonial - o Vice-Reino do Prata. Um
raciocínio semelhante pode ser usado em relação ao Uruguai, pretendido pelos
argentinos, que assim dominariam a Bacia do Prata.
O URUGUAI é normalmente tratado como um
país que desenvolveu-se a partir de interesses externos. Sua localização
geográfica tornava-o peça fundamental para todos que possuíam interesses no
comércio platino. Depois de anos sob domínio do Brasil, o Uruguai conquistou
sua independência definitiva em 1828, com o apoio da Inglaterra, com o discurso
de “preservar a liberdade de navegação na bacia do Prata” procurou não só a
libertação frente ao domínio brasileiro, como preservá-lo face aos interesses
argentinos. Desta forma o Uruguai passou a ser visto como um “Estado tampão”,
separando Brasil e Argentina e garantindo a livre navegação. Apesar da
independência, o território uruguaio continuou a ser cobiçado pelas “potências
sul americanas”: foi comum a invasão e ocupação de terras por pecuaristas
gaúchos. Grande parte das atividades internas, rurais ou urbanas,
desenvolveram-se a partir de empreendimentos do Barão de Mauá, se bem que,
muito mais representando os interesses ingleses do que brasileiros.
A INGLATERRA é vista tradicionalmente
como a grande responsável pela guerra entre o Brasil e o Paraguai. Uma das
dificuldades da História é definir o peso que cabe a cada um dos interesses
envolvidos, uma vez que a Inglaterra é a grande potência imperialista da época.
O século XIX foi caracterizado pela Segunda Revolução Industrial, pela expansão imperialista sobre a África e Ásia e pela “divisão internacional do trabalho”, fruto do imperialismo de poucas nações. A Inglaterra continuou a ser a maior potência industrial, porém passou a ter concorrentes em relação ao desenvolvimento tecnológico, necessitando garantir cada vez mais o controle sobre suas colônias e áreas de influência.
Na América, os países recém
independentes tinham um papel fundamental dentro dessa nova ordem capitalista,
e nesse sentido, a economia paraguaia destacava-se, fugindo da órbita do
imperialismo inglês. Para a Inglaterra, a preservação de suas áreas de
influência era vital para a preservação de sua posição hegemônica, e para isso,
os mecanismos usados foram variados, porém sempre com caráter imperialista (Guerra
do Ópio, Guerra dos Cipaios...) quando a diplomacia e o poder econômico não
funcionavam, a intervenção militar direta ou indireta era o caminho usado,
justificada tanto pelos interesses econômicos como pelo discurso racista, de
superioridade em relação a outros povos, como por exemplo os “índios”
paraguaios.
Uma Guerra Impopular - com escravos
negros brasileiros, "voluntários da pátria" indo a ferros para o
front. Corrupção deslavada ao início da Guerra do Brasil contra o Paraguai
(levando Uruguai e Argentina pela mão contra seu irmão de língua espanhola).
José Júlio Chiavenatto faz um balanço
final de quem ganhou e quem perdeu com o massacre genocida perpetrado pelo
Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai. A maior beneficiária - de longe
- foi a Inglaterra.
O Paraguai perdeu mais de 90% de sua
população masculina com muitas mulheres e crianças escravizadas no Brasil, no
Uruguai e na Argentina. Os países "vencedores" estavam tão
endividados para com a Inglaterra que muito do que chamamos de "dívida
externa", recentemente "internalizada" no Brasil e na Argentina
por ordem do FMI, começa com aquela guerra impopular da chamada "Tríplice
Aliança" contra a única Nação industrializada da América Latina.
A guerra começou em 1865 e poderia ter
acabado em janeiro de 1869, com a ocupação da capital paraguaia. Essa era, pelo
menos, a tese defendida por Luís Alves de Lima e Silva, o duque de Caxias
(1803-1880). Caxias acreditava que a caçada a Solano López era inútil porque,
àquela altura, o ditador já não tinha condições de reagir. A única alternativa,
portanto, era resolver as divergências na mesa de negociações. Essa posição
sensata não prevaleceu por culpa do imperador Pedro II e seu genro, o jovem e
inexperiente conde d’Eu (1842-1922), marido da princesa Isabel (1846-1921).
Desgastados pela oposição política que a guerra haveria gerado dentro do
próprio Brasil, os dois insistiram em capturar López vivo ou morto.
A caçada revelou-se muito mais difícil do que as autoridades imaginavam. O ditador paraguaio foi morto pelas tropas brasileiras em março de 1870, mais de um ano após a ocupação de Assunção, mas o preço pago foi muito além do que o estilo culto e civilizado do imperador recomendava - e, de certa forma, manchou irremediavelmente sua biografia. O perfil humano que o talentoso Doratioto traça do general Osório reforça essa tese. Aos 61 anos, doente e cansado, o gaúcho também acreditava que a guerra estava resolvida depois da tomada de Assunção. Tanto assim que decidiu se retirar para sua cidade, Pelotas, no interior do Rio Grande do Sul, onde pretendia descansar e recuperar a saúde.
A teimosia de Pedro II e do conde d’Eu, no entanto, obrigaram Osório a retornar ao campo de batalha com a perna imobilizada pela doença e o maxilar estilhaçado por um tiro de fuzil. E foi assim, contra sua vontade, que um dos heróis do Exército brasileiro se viu compelido a travar uma batalha insana contra velhos, mulheres e crianças, massacrados depois de enfrentar as tropas aliadas com pedras, tijolos, pedaços de madeira e cacos de vidro na localidade de Peribebuí.
Os prisioneiros sobreviventes foram
degolados a mando de um enfurecido conde d’Eu. O general prussiano Carl von
Clausewitz (1780-1831), autor de um clássico de estratégia militar, dizia que
"a guerra é a continuação da política por outros meios". Ou seja, só
se deve recorrer às armas depois de esgotadas todas as demais alternativas.
Infelizmente, essa lição tão simples e tão óbvia não foi seguida em 1869. O
resultado, além da carnificina desnecessária, é o ressentimento que até hoje se
acumula ao longo da fronteira dos países envolvidos.
Fonte: Guerra do Paraguai - genocídio americano. In: http://www.culturabrasil.org/guerradoparaguai.htm.