terça-feira, 5 de janeiro de 2016

A história de Quintino Lira, o Gatilheiro matador de cabra safado.

Quintino, líder da resistência armada entre os posseiros.
A 31 anos da Morte de Quintino da Silva Lira, o gatilheiro, um bom vídeo, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=iAiaPT8Blhs contribui com a reflexão sobre o permanente problema da terra no Brasil. No Nordeste do Pará, no final da primeira metade da década de 1980, a Polícia Militar ia atender denúncias de violência contra os posseiros passando na sede da fazenda, que os violentava, para tomar café e receber as ordens do fazendeiro, que às vezes completava o contingente militar com seus pistoleiros para uma sequencia de mais violência. Assim começou a história da guerrilha do quintino, uma história que o Brasil não conhece.

No Brasil, desde a colonização, o governo sempre esteve ao lado do grande latifúndio, inclusive o patrocinando. assim, no começo dos anos 80, o governo do Pará concedeu incentivos a uma empresa chamada ''Cidapar'' para que esta se instalasse na  região nordeste do estado, num lugar a muito tempo ocupada por posseiros. A Cidapar, como era comum no Pará, montou um bando armado que, sob o título de guardas, passaram a praticar todo tipo de violência contra os posseiros, inclusive, matando e torturando pessoas. A polícia, enquanto expressão do Estado, não apenas fingia que não via, como também ajudava os pistoleiros da empresa. Mas a Cidapar encontrou a resistência dos posseiros que, inicialmente buscaram apoio do Estado para garantirem seu direito de permanência na terra. A empresa, como ainda é comum no Pará, se apropriou das instituições públicas, principalmente da PM e, com um exército de homens armados, começou a forçar os posseiros a abandonarem suas terras. Percebendo a inutilidade da luta burocrática, liderados por Quintino, os posseiros resolveram resistir.

Dizem alguns relatos que Quintino Lira chegou à região foragido da justiça. Fato é que foi ele um dos primeiros posseiros a perceber a insuficiência da luta política por causa da imoralidade do judiciário, que sempre dava ganho de causa para quem tinha dinheiro para comprar sua decisão. O governador Jader Barbalho enrolava os posseiros e o judiciário tomava o partido dos fazendeiros. Foi nesse contexto que começou a história de Quintino, o gatilheiro. Homem simples, Quintino convenceu um grupo significativo de que “esquentar banco de tribunal era inútil” e de que era preciso lutar com as mesmas armas dos inimigos. Começava uma verdadeira guerrilha no nordeste paraense.

Quintino, cassado como um animal e assassinado como um bicho.
Quintino da Silva Lira, o Quintino Gatilheiro, dizia que não era pistoleiro. Segundo ele, pistoleiro é quem trabalha a soldo contratado por fazendeiro para defender o patrimônio do patrão. Já o Gatilheiro é quem trabalha em defesa do próprio patrimônio e do patrimônio dos irmãos. O pistoleiro matava os pobres, para beneficiar os ricos. O gatilheiro, ao contrário, matava cabra safado que mexia com os posseiros pobres. 
Tudo começou quando, no final dos anos 1970, a Companhia de Desenvolvimento Agropecuário, Industria e Mineral do Pará (Cidapar), apoiada pelo governo estadual e de acordo com o projeto de desenvolvimento da Amazônia do governo federal, começou a expulsar famílias de uma área de 380 mil hectares, incluindo parte do que viria a ser a Terra Indígena Alto Rio Guamá, onde viviam cerca de 10 mil colonos. A maioria dos posseiros já viviam nas terras desde que, ainda no início do séc. XX, milhares de nordestinos chegaram, enganados, para o trabalho, escravo, nos seringais da Amazônia. Estes e outros grupos que chegaram depois passaram a ser expulsos pelo bando da Cidapar. 
O capitão James Vita Lopes comandava a chamada "guarda de segurança", um bando que chegou a ter 102 pistoleiros a soldo da Cidapar. Quando a milícia executou o agricultor Sebastião Mearim, no Alegre, os homens do povoado se reuniram para discutir a defesa. Mas não tinham experiência em combater inimigo tão forte, que tinha apoio político e do judiciário. "Eu sou Quintino, matei um cara que tomou minha terra. Este revólver era dele, este chapéu era dele. Mas defunto não precisa dessas coisas", lembra Benedito Tavares, o Bené Duzentos, no Igarapé do Pau, reproduzindo as palavras de Quintino. "Eu nunca tive coragem", disse Bené ao jornalista Leonencio Nossa, do jornal O Estado de São Paulo. "Ninguém tinha disposição de morrer pelo povo", emendou. "Com a chegada do Quintino, fomos para a guerra." 
O Quintino Gatilheiro comandou ações de resistência que mataram vários pistoleiros e dois gerentes da Cidapar. Para a pesquisadora Violeta Refkalefsky, autora do livro Estado, bandidos e heróis - Utopia e luta na Amazônia, "Quintino encarnou o que Eric Hobsbawm entende como o bandido social clássico, no estilo de Robin Hood - um bandido, um fora-da-lei que se volta para a causa dos pobres, fracos e oprimidos".

O dia 4 de janeiro de 1985 foi um dia fatídico para os camponeses. Traído por um comerciante da região, que recebeu a promessa que denunciando o esconderijo de Quintino receberia uma patente de Tenente da PM, Quintino da Silva Lira, o Gatilheiro, que se encontrava na casa de um colono, na localidade de Vila Nova, na Região do Piriá, foi cercado por centenas de policiais militares e, sem qualquer chance de defesa, foi executado a tiros de fuzil.
Morto, covardemente, o corpo do Gatilheiro foi levado para a cidade de Capitão Poço aonde um banquete feito pela elite local saudou os bravos homens da polícia militar.

Um homem que, alguns anos antes, andara com o padre Ricardo Rezende e demais agentes da Comissão Pastoral da Terra, que prometera fazer um governo em prol dos camponeses, acabando com a impunidade e com com a violência que lhes afligia, foi quem, governador, deu a ordem para a PM agir. Esse homem se chama Jader Barbalho. Mas algumas pessoas, do Pará, o conhecem também por Belzebu, também ele sócio da Cidapar.

Mas os camponeses não desistiram e a luta continuou. Em maio de 1986, pouco mais de um ano depois do assassinato de Quintino na luta pela terra da Gleba Cidapar, o Decreto Nº 92.623 criando o Plano Regional de Reforma Agrária (PRRA) do Pará desapropriou a área. A ocupação dos posseiros foi consolidadada. O martírio de Quintino Gatilheiro resultou na vitória dos posseiros contra o "latifúndio", embora não uma vitória completa, tão pouco permanente.

15 comentários:

  1. Sou moradora de Cachoeira do Piriá, gostei muito do conteúdo, pois resido a 23 anos e pouco sabia sobre esse historia. Já que Cachoeira do Piria fica apenas 8 Km da Cipada , local onde onde ocorreu os fatos.

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  2. Crislayne, é uma pena que você não sabia. Mas, como professor, reconheço que nós não recebemos salário senão para fazer as pessoas perderem tempo ouvindo sobre a Europa Medieval ou sobre a importância da Revolução Francesa. Estudos e ensino que não muda nada da nossa vida, tão pouco nos ajuda a entender a nossa história.

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  3. Lembro do dia que o Quintino foi morto. Eu era bem pequeno, na vila do Livramento, onde ele e seu bando costumava passar quando fugiam da polícia. Lembro das pessoas comentando com tristeza ao saberem do ocorrido através das rádios. Nos dias, meses, e até anos seguintes, as pessoas lamentavam a morte do Quintino. Hoje, guardadas as devidas proporções, comparo a saga do do Quintino com às dos mexicanos Emiliano Zapata e Pancho Villa, até os bigodes se parecem (rsrsrs).
    Obrigado por postar, pois adoro essa história.

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  4. Boa tarde! Eu tinha 20 anos era op. de maq. pesadas na mineração das onças na CIDAPAR, estávamos fazendo a estrada pacas x Galdino x enche concha. Era novembro 4 horas da tarde eu fazia umas valas com uma retroescavadeira nas laterais da estrada nova em plena floresta, quando o mecânico o colega Gilvan chegou para a manutenção, ao parar a maq. olhei estrada a fora e vi um moço que vinha correndo em nossa direção ensanguentado e gritando, fomos atacados! não sei quantos tem mortos! o mesmo era peão da equipe de pesquisa que andavam nos picos pelas terras dos colonos procurando ouro sobre a segurança dos "seguranças" armados da firma. nesse dia morreram 4 destes e alguns peões foram atingidos por balas perdidas. comfesso que estive próximo de muitos acontecimentos naquela região.serto dia um amigo da minha família q morava no japim e que era componente do grupo liderado por Quintino, o mesmo me conhecia desde pequeno, me viu e disse, eu ti vi em uma maq.cavando buraco na beira da estrada rumo ao Galdino. mas, fica tranquilo nós não queremos trabalhador nós queremos é os caras armados. naquela mata estávamos sendo observados constantemente por eles, mesmo com todo o aparato de "seguranças" que havia.

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  5. Gostei muito do conteudo, a um tempo estava procurando melhor essa historia, minha Avó um dia me contou, ele era tio dela. Me interessei muito pela historia e fiquei mais surpresa em saber que carrego seu Sobrenome e sou de sua familia. Ate hoje meu bizavo, irmao de Quintino é vivo.

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  6. Gostei muito do conteudo, a um tempo estava procurando melhor essa historia, minha Avó um dia me contou, ele era tio dela. Me interessei muito pela historia e fiquei mais surpresa em saber que carrego seu Sobrenome e sou de sua familia. Ate hoje meu bizavo, irmao de Quintino é vivo.

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  7. meu pai foi professor de um do bando de quintino, chamavam-o de rato. presenciou varios acontecimentos dessa epoca. e eu gosto pra caramba dessas historias. nasci em nova esperança do piria, mas logo fui morar em capitaõ poço. atualmente resido em bragança tenho 26 anos e nunca mais voltei a minha terra natal. tenho inclusive alguns parentes ainda na cidade. morro de vontade de conhecer essa terrinha e meu pai mais ainda.

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  8. Meu nome é Antônio Vagner, nasci e me criei até os 11 anos na Vila Nova do Piquiá município de Viseu e nunca havia conhecido a história do gatilheiro Quintino relatado por esse lado. Agora também conhecendo um pouco mais da forma como foi morto pela polícia e cia da época.

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  9. Meu nome é Antônio Vagner, nasci e me criei até os 11 anos na Vila Nova do Piquiá município de Viseu e nunca havia conhecido a história do gatilheiro Quintino relatado por esse lado. Agora também conhecendo um pouco mais da forma como foi morto pela polícia e cia da época.

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  10. Meu nome é Antônio Vagner, nasci e me criei até os 11 anos na Vila Nova do Piquiá município de Viseu e nunca havia conhecido a história do gatilheiro Quintino relatado por esse lado. Agora também conhecendo um pouco mais da forma como foi morto pela polícia e cia da época.

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  11. Olha só, ontem na aula de história do cursinho aqui em Belém falando sobre bandido social, qual foi minha surpresa quando perguntei sobre Quintino Lira e meu professor falou exatamente isso,ele perguntou se eu era de Capitão Poço pra perguntar sobre essa história, falei que sim só que não sabia detalhes, lembro do meu pai que ainda conheceu Quintino. É muito interessante conhecermos a nossa própria luta contra um sistema que só presa seus interesses.

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  12. Jair 27/12/2016. Sou da Cidade de Curuçá - PA, nessa época eu tinha 10 anos de idade eu ouvia falar muito do Quintino mais como bandido, mas sempre tinha vontade de conhecer essa historia, depois de conhecer cheguei a conclusão que esse Sr. Quintino e um verdadeiro herói e merece uma estatua por onde ele passou.

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  13. Sou de Bragança e atualmente moro em Brasília e quando adolescente soube dessa história e da morte dele, lendo a história mesmo....ele pode ter sido um assassino mas lutou pelos outros contra o então governo do Jader Barbalho que até hoje a família continua no poder. e alfumas pessoas parecem que esqueceram desse ocorrido e continuam vangloriando a família Barbalho que são donos de muitas terras e.....o quintino merece nosso respeito

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