Josimo
ainda não tinha nascido quando sua mãe, na companhia do pai, deixou o Nordeste,
Carolina do Maranhão, para tentar a sorte em Marabá, no Pará, tendo sido aí,
numa cidade de garimpo, por isso cidade de homens, que Josimo nasceu. As marcas
da migração, todavia, certamente afetariam a sua pessoa, posto que esse
desarranjo, que experimentam os camponeses em sua vida de migrações, revelou-se
na própria estrutura familiar de Josimo tornada outra entre o Maranhão e
Marabá. Na migração seguinte, de Marabá para Xambioá, apenas a mãe e dois filhos.
Mãe e filhos abandonados a dureza de uma terra hostil, obrigados à
sobrevivência desprotegidos da presença paterna. Nisso também semelhante aos
muitos filhos tornados órfãos de pai, às vezes órfãos de pais vivos. Em Marabá,
mais do que a luta pela posse da terra, prevaleceu a proletarização do camponês
entregues à atividade extrativas, primeiro de látex, e depois de minérios. E
enquanto a posse agrega a família em torno do trabalho na terra, a
proletarização a fragmenta, sobretudo quando o camponês é alcançado pelo
processo de peonagem, sobre o qual tenho escrito alguns textos acadêmicos.
O que
restou da família, a mãe e duas crianças pequenas, mudou-se para Xambioá. Dona
Olinda chegou a Xambioá já uma mulher abandonada e nessa terra a vida não lhe
foi fácil. Conforme informações de Le Breton (2000) e Aldighieri (1993) foi
como lavadeira, junto a outras dezenas de mães solteiras e mães casadas que
precisam ajudar a manter a casa, que Dona Olinda garantia o precário sustento
dos filhos. Atacados pela precariedade da vida, a irmã de Josimo constituiu
mais uma baixa na família, agora de apenas duas pessoas frágeis, um menino
desnutrido uma mãe gasta pela fome e pela dureza do trabalho de lavadeira.
Josimo
ingressou no Seminário Menor Leão XIII em 1964, ano de início da Ditadura
Militar no Brasil. Depois de algum tempo em Tocantinópolis, ele esteve em
Brasília, onde fez os estudos secundários e daí foi enviado para Aparecida do
Norte, São Paulo, onde cursou Letras e depois fez os cursos de Filosofia e
Teologia entre o Instituto Filosófico Salesiano de Lorena, São Paulo, e o
Instituto Franciscano de Filosofia e Teologia de Petrópolis, no Rio de Janeiro.
Foi nessa última instituição que Josimo teve contato mais íntimo com a teologia
da libertação. Constava entre seus professores o próprio Leonardo Boff, um dos
grandes teóricos dessa linha teológica.
Os textos
produzidos por Josimo durante a sua formação seminarística deixam claro que ele
nunca se desvinculou do contexto que lhe pariu. Após a ordenação sacerdotal esse
compromisso social com assumirá uma dimensão limite. Em 1979, quando da
ordenação de Josimo, e os anos iniciais da década de 1980, período do seu maior
engajamento na causa camponesa, o Brasil vivia tempos de abertura, mas no Araguaia-Tocantins
a Igreja ainda sentia o peso do Estado repressor. Assim, se o pacto político
dos militares, pelo menos na região do Araguaia-Tocantins, foi com o
latifúndio; a Nova Democracia não se fez diferente, subserviente aos interesses
latifundiários, também foi com o capital agrário expropriador e com o
latifúndio, de um modo geral que esta delineou o seu projeto político. Foi contra
esse estado de coisas que Josimo iniciou a sua guerra, que não era particular.
Enquanto
os camponeses forjaram sua existência enquanto classe na luta comum pela terra
e dessa luta, como mediadora, surgiu a CPT do Padre Josimo, a UDR, de Ronaldo
Caiado, forjou-se, em oposição, sempre como movimento contraposto a essa luta.
Por obscuro que pareça, enquanto Josimo tombava nas escadarias da CPT de
Imperatriz, varado com dois tiros pelas costas, a UDR erguia-se, a poucos
quilômetros dali, como nova força política e estouravam-se fogos como premissa
de triunfo na luta cujo dia inscreveria um capítulo histórico para ambos os
lados.
Dia
10 de maio de 1986, véspera da comemoração do dia das mães, data especial para
o meio popular, ficou guardada na memória das pessoas mais próximas de Josimo
como o momento do seu sacrifico final, o último gesto de luta em nome daqueles
a quem escolhera defender até as últimas consequências como prova do seu
engajamento. Aquele sábado era um desses dias em que se esperava acontecimento
ruim não pudesse ocorrer. Mas aconteceu. Naquele dia 10 de maio de 1986 “com um
tiro pelas costas, que lhe atravessou o corpo, foi assassinado, por dois
jagunços, o vigário de São Sebastião do Tocantins e coordenador da Comissão
Pastoral da Terra no extremo norte de Goiás, Padre Josimo Tavares, 36[1] anos”. (Correio
Brasiliense, 11/05/1986).
A
morte de Josimo era um desfecho, embora não final, mas era um desfecho.
Representou tanto o extremo da mediação da CPT, quanto o extremo da ação
daqueles que se opunha a esse trabalho.
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