terça-feira, 15 de outubro de 2013

EU SOU PROFESSOR E TENHO UM SONHO

O povo pacífico e ordeiro começa a perceber sua sempre vida de gado e quer ser gente.
Eu sonho com uma juventude que seja menos alienada que a minha própria juventude. Eu sonho com um Brasil que tenha mais povo que público. Sonho, em fim, com o povo consciente de si e de suas condições; povo que saiba que a Lei lhe está oposta porque nela todos os seus opressores têm privilégios [prisões especiais para quem tem diploma, prisões especiais para policiais bandidos, imunidade parlamentar, foro privilegiado no executivo, juiz bandido cuja punição é aposentadoria compulsória, entre outros mecanismos de distinção de classe]. Eu sonho com um povo que se saiba violentado.

Um dos textos mais belos que li esse ano foi "a não-violência do brasileiro: um mito interessantíssimo" de Marilena Chauí. O texto resultou de uma exposição num simpósio sobre educação, sociedade e violência, ocorrido em São Paulo, em 1980. Trinta e três anos depois a definição de violência apresentada pela autora ainda me parece o conceito que melhor traduz a violência no Brasil. Disso resulta o meu sonho, que o povo entenda, e que o povo se rebele.

Para Chauí, a violência é um processo pelo qual o indivíduo é transformado de sujeito em coisa. Até aí, tudo bem, afinal é isso que os intelectuais mais à esquerda dizem. No entanto, ela demonstra como a violência se expressa no exercício da dominação de uma elite que nega a violência estrutural em favor de uma outra tipificação, aquela que identifica no indivíduo apenas a expressão da violência por ações alheia, e às vezes, contrárias às regras pré-estabelecidas. A omissão do Estado fica, nesse sentido, dissociado da violência, assim, as práticas de tortura dos agentes de segurança pública, as pessoas morrendo nas filas de hospitais, a falta de saneamento, transporte e educação deixam de ser violência, sendo esta manifesta apenas por seus efeitos imediatos, as ações daqueles que o sistema tornou marginais.


A barbárie justificada pelo Estado do Rio.
O mal, no entanto, não é o que Estado faz, mas a internalização social desse conceito transmutado. Assim, como diz Chauí, nos tornamos "gente ordeira e pacífica" mesmo dentro de uma ordem de coisas extremamente injustas. É violento quem foge ao padrão da ordem, e por isso perturba a paz. A paz, por sua vez, é mantida pelo silêncio dos flagelados. 

Suportamos o inferno em silêncio e ele, como no feudalismo, depende apenas da ordem social na qual nascemos. Se pobres, já nos espreita desde as maternidades de postinhos imundos de bairros miseráveis.

E recentemente vi uma reportagem em que um policial militar do DF lançava spray de pimenta sobre alguns jovens manifestantes que se encontravam sentados sem ostentar qualquer tipo de reação à presença policial. O rapaz atingido pergunta ao PM porque ele fazia aquilo, e ele, em alto e bom tom responde: porque eu quis! O nosso cotidiano é formado todo ele dessas práticas que expressam a força que nos oprime a todos. Há maior absurdo que um PM ostentar em rede social cassetete quebrado em agressões contra professores?

Então, eu tenho um sonho. Sonho que o povo descubra a violência. Sonho que todo o povo pobre descubra sua condição subalterna. Sonho com a unificação das lutas do povo. Eu sonho com a guerra. Eu ainda sonho com o povo fazendo a história.
       

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