Centenas de livros didáticos amontoados num canto da escola |
Enquanto centenas de livros, alguns ainda no plástico perdem seu ciclo de uso (2015-2017), alunos ficam sem livros. |
O fim de um ciclo (2015-2017), a quem servirão estes livros? |
Mas, aquela leitura fez perceber, com
mais clareza, como livros constituem expressão de um poder simbólico e, por
isso, impõem certo respeito àqueles que os detêm. Desde os gregos, e
especialmente com Aristóteles, os homens das letras gozavam de uma distinção
quando comparados aos mortais comuns.
Mas o século XX, sobretudo no que
antecedeu, durou e sucedeu às duas guerras mundiais, impôs a força, e a
violência dela decorrente, como fenômeno preferencial na orientação das ações
humanas. Essa situação, como bem o demonstra Hannah Arendt, em pelo menos três
trabalhos (1989; 1991 e 1999), não só sobrepôs a violência ao saber, como
condicionou o saber às contingências da brutalização social. Considerando a
realidade brasileira e o cenário internacional a impressão é que nesse início
de século XXI a coisa apenas pirou. Avançamos da força para o caos absoluto –
de qualquer modo, um tempo de desprezo a qualquer forma de sabedoria.
Nesse nosso tempo não se pode dizer que
exista forma mais segura de garantir a acefalia social do que retirar, na
escola e através da escola, as condições de acesso ao saber àqueles que
dependem dessa instituição para, por exemplo, poder conhecer um livro.
A escola tem sido o elemento fundamental
do processo de desumanização. A escola, à medida que deixa de oportunizar
libertação da violência, brutaliza e reproduz a barbárie cujos caos político e
social são reflexos.
Como se poderia definir, senão como
prática violenta, a forma como lida com livros didáticos – direitos dos alunos
e alunas e amontoados às centenas no Escola Gaspar Viana – a rede pública estadual
de Marabá? Essa violência equivale ao caso de remédios vencidos e descartados
em hospitais públicos – e se vencidos precisam ser descartados –enquanto pessoas
morrem por falta destes mesmos remédios.
De um lado, centenas de livros, que
deveriam ter sido distribuídos em 2015, jazem feridos pela inoperância
pedagógica que impede, do outro lado, outras centenas de jovens e adolescentes
de terem acesso ao livro didático – adquirido com dinheiro público exatamente
para atender a necessidade destes jovens e adolescentes.
Estive na escola para tentar conseguir
pelo menos 10 livros de história do 1º ano do Ensino Médio para alunos da Vila
Oziel, onde funcionam turmas de alunos desassistidos de tudo e de todos. Me
disseram que deveria encaminhar um requerimento à 4ª Diretoria Regional de
Ensino, 4ª URE. A indignação calou minha voz. Impressiona como a incompetência
e a irresponsabilidade é competente para se escudar na burocracia e, por essa estratégia,
parecer responsável!
O desprezo pelo livro supõe fracasso do processo de formação para a leitura da palavra e, em consequência, incerteza sobre a formação para a consciência e participação na transformação desse mundo, de barbárie, em alguma coisa melhor.
O desprezo pelo livro supõe fracasso do processo de formação para a leitura da palavra e, em consequência, incerteza sobre a formação para a consciência e participação na transformação desse mundo, de barbárie, em alguma coisa melhor.
Bibliografia
ARENDT, Hannah. Origens do
Totalitarismo. Trad. Roberto Raposo. São Paulo: Cia. das Letras, 1989.
____. Homens em Tempos Sombrios.
Trad. Ana Luisa Faria. Lisboa: Ed. Relógio d'Água, 1991.
____. Sobre a Violência. Trad.
André Duarte. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999.
SILVEIRA, Julio e RIBAS, Martha (Orgs.).
A paixão pelos livros. SILVEIRA,
Julio (trad.). Rio de Janeiro: Casa da Palavra: 2004.
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