A primeira impressão sobre o
sistema de ensino público estadual do Pará é a de que ele tem sido pensado,
historicamente, para dar errado. PMDB, PT, PSDB não se trata de sigla, como também
não se pode explicar a situação apenas pela excrescência do projeto educacional
do atual governo. A constituição da precariedade, portanto, remonta ao passado.
Mas é um passado-presente à medida que se pode constatar contínua e agravada.
Se é difícil identificar o
princípio do equívoco a nível de política pública, mais trabalhoso ainda é
precisar, na ponta, quem partilha da culpa e quem faz o enfrentamento ao
problema.
Tive a oportunidade de conhecer,
desde que tomei posse em 2009, professores e gestores comprometidos com a educação
pública paraense. O SINTEPP, representação classista dos profissionais da educação
do Pará, tem oportunizado debates interessantes que vão além da política
salarial. A antítese das práticas e discursos desses sujeitos comprometidos com
a educação são as políticas públicas e as práticas danosas dos muitos sujeitos
que personificam a precariedade e, por isso, são danosos à vida de jovens e
adolescentes que esperam na educação uma possibilidade de minoração da sua
miséria existencial.
As primeiras percepções do quão
é escura a noite que a educação pública paraense atravessa se deram no ensino
regular. Alunos concluindo o ensino médio sem saber ler e a escola sem
professores de língua portuguesa, em alguns casos porque o professor não
aparecia na escola, noutros porque sequer existia lotação nessa disciplina.
Registrei uma vez, já em Marabá, cinco meses sem que, na escola, houvessem
todos os horários de aula. Apesar disso, a síntese dos equívocos é o Sistema
Modular de Ensino, o SOME.
O incentivo para o professor atuar
no SOME é uma ajuda de custo que atualmente, 2016, está em 3.600,00. Um valor
bom, sobretudo quando se considera que só a soma dessa gratificação com o vale alimentação
eleva o salário em 4 mil reais. Então, muitos professores, como foi o meu caso,
dispõem-se à empreitada. Tem sido usual o professor atuar num circuito que
orbita em torno da escola sede, de modo que as distâncias entre as escolas em
que trabalhará são reduzidas significativamente. Isso facilita a vida do
professor.
Até aí, tudo bem. Mas, só até
aí.
O Estado não tem custo com
qualquer estrutura material. A escola, no sentido lato, é apenas uma possibilidade.
As aulas realizam-se no espaço possível, o que significa que pode ser tanto
numa escola municipal, quanto num barco ou num prédio de associação. O acesso a
giz, apagador, Datashow, TV, Internet ou qualquer outro recurso depende da
disponibilidade dos municípios, no caso de aulas em escolas municipais, ou da
disposição do professor em adquirir com seu próprio dinheiro.
Falta acompanhamento e apoio. Os
gestores das escolas sedes não têm condições, nem recursos que lhes
possibilitem acompanhar as atividades dos professores do modular. Isso deixa o docente
isolado. Há a submissão, ao final do módulo, a uma avaliação da comunidade. Isso
é uma inócua tentativa de controle, não acompanhamento, tão pouco apoio.
Para completar o cenário o
SOME tem sido um campo fértil para a ação descompromissada. Até 2011 não
entendia porque a 4ª URE Marabá recebia tantos professores temporários de Belém
que eram lotados no SOME. Com o tempo entendi. Criou-se a cultura de que no Modular
não é necessário cumprir carga horária. No retorno da minha licença
aprimoramento ouvi do coordenador estadual do SOME que esse era um programa
para lotação preferencial de professor temporário. Portanto, nessa acepção, trata-se
de um programa sem projeto ou de um projeto sem a perspectiva temporal de
futuro. Contratos de curta duração não precisam responder pelas consequências da
sua prática docente à comunidade, como também não cria qualquer vínculo com o
povo com quem trabalha. Esse é um trabalho sem perspectiva. O professor vem de
longe, justifica sua ausência na segunda e na sexta feira porque mora longe e fica
tudo por isso mesmo. Essa justificava amadureceu e metamorfoseou-se em outra, como
ouvi recentemente de um colega, “segunda e sexta são dias de folga do professor
do SOME”.
A questão central é que um
módulo tem a duração média de 50 dias letivos, que correspondem a cerca de 7
semanas. Subtraídos 2 dias de cada semana são 14 dias sem aula. Isso significa que,
nessa hipótese, um módulo teria, efetivamente, 36 dias de aula e que nesse
pequeno lapso de tempo os professores trabalhariam, por exemplo, todos os
conteúdos de matemática e língua portuguesa. Mas isso é pouco se considerarmos
que, na comunidade onde estou trabalhando, os alunos reclamaram de ter tido uma
disciplina de um módulo resumida em 2 dias de aula.
Finalmente chego ao essencial em
tudo isso. Tenho conhecido jovens fantásticos. Pessoas cheias de sonhos.
Pessoas que querem ir para a faculdade. Alguns, inclusive, vão fazer o ENEM.
Entre o direito à educação e o sonho desses jovens há, em muitos casos, o crime
da irresponsabilidade do Estado e de alguns docentes.
Para piorar agora o Estado
quer reeditar o velho, enfadonho e frustrado telecurso 2000 da Fundação Roberto
Marinho. O objetivo é resolver, com uma televisão e um monitor, a questão da
mão de obra docente.
Me desculpem os bons professores que atuam no SOME, os bons gestores e até as pessoas bem intencionadas na burocracia do
Estado, mas eu precisava desentalar.
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