Senhor prefeito Maurino Magalhães, senhores vereadores, Promotor de Justiça e demais autoridades municipais acompanho notícias relacionadas ao Sul do Pará, e à Marabá em particular, desde tempo anterior à minha chegada ao Município, o que aconteceu somente em fevereiro último. Sempre soube da importância da região no cenário econômico nacional, seja em função das atividades ligadas ao minério, seja com outros tipos de energias dispostas por essa terra tão rica. Aqui, de modo concreto, constatei tudo isso e, para além do que vejo, sei dos projetos em andamento no sentido de dinamizar ainda mais, a curto e a longo prazo, a exploração das riquezas locais. Essas perspectivas têm animado o povo sul paraense. É, contudo, ante esses sinais de progresso que quero pôr em contraste a realidade de atraso e descaso em que vejo mergulhado, ao mesmo tempo, o povo quando se trata de serviço público. O objeto da minha análise, o serviço de telefonia pública representado pelos popularmente conhecidos orelhões.
Senhores, trabalho e tenho residência no bairro de Morada Nova. Conjecturo que enquanto não se torna um município independente de Marabá, Morada Nova, com cerca de 15 mil habitantes, é um bairro afastado daquilo que poderíamos chamar de centro por cerca de 25km[1]. Lugar tranqüilo e de boa gente, afastou do meu espírito aquela sensação plantada no coração de quem anuncia que vem morar no Pará por aquelas pessoas do Centro-Sul que imaginam o Pará como uma terra sem Lei. De fato, pela diversidade de povos, pois se trata de terra de migrantes, Marabá poderia apresentar um quadro de violência ainda pior quando se pondera junto a essa diversidade a ausência de aparelhos do Estado, como segurança pública, serviços de saúde e outros atendimentos que fazem o cidadão sentir que não está abandonado ao seu estado de natureza.
No segundo mês aqui, portanto em fins do mês de março, dei, certo dia, por falta de um cartão de crédito. Tentei entrar em contato com o serviço o SAC da operadora de cartão, mas o serviço não atendia chamadas realizadas de terminais móveis, ou seja, de celular. Bom, não tenho linha fixa residencial porque minha vida é móvel. Moro só e, estando em casa apenas para dormir, não haveria sentido em ter um telefone em casa quando na maior parte do tempo estou na rua. Então, só me restava procurar um telefone público. Em vão fui de aparelho em aparelho sem que houvesse em Morada Nova um único que funcionasse. Dias depois, precisando falar com minha família em Goiânia e estando a operadora TIM sem sinal em Morada Nova, precisei novamente realizar uma chamada de voz utilizando o telefone público, nenhum orelhão em funcionamento. Nessa segunda ocasião, como na primeira, dirigi até São Felix, bairro mais próximo de Morada Nova, e lá também constatei que nenhum aparelho funcionava. Na Cidade Nova, depois de vagar de aparelho em aparelho consegui encontrar um em funcionamento, embora em estado lastimável.
Senhores, o primeiro objeto de reflexão necessário aqui é sobre a utilidade de uma central telefônica pública. Para que serve um orelhão? Proponho o seguinte caso hipotético. Imaginemos que qualquer um dos senhores sofram um assalto e lhes levem o carro, carteira, relógio, celular e qualquer outro bem que possuam na ocasião. Depois os abandonem em algum bairro, considerado violento, da cidade. Como vão pedir socorro? E, no caso de um seqüestrado, que consiga libertar-se, como ele poderá chamar a polícia? Abandonado, ainda poderíamos sofrer outra violência porque na ausência de um orelhão teremos que recorrer a populares que, dependendo da hora e do lugar, também pode representar um aventura arriscada.
O segundo objeto de reflexão é a situação das empresas, no caso da OI, em relação à prestação de serviço na região Norte-Nordeste. Nesse tocante quero apresentar alguns dados. Segundo a agência de notícias Reuters[2], no primeiro semestre de 2010 a OI obteve receita líquida de 14,9 bilhões de reais, entre janeiro e junho. Ainda no mesmo ano, no segundo semestre a receita foi de 7,4 bilhões, o que, em tempos de crise, representou recordes de ganho para a empresa. O site do informativo Brasil Econômico discorrendo sobre o lucro da empresa, ou seja, abstraindo os custos operacionais da empresa do montante da receita, informa que a OI acumulou lucro de R$ 1.367 bilhões em 2010[3]. Desde que fiz meus primeiros estudos sobre o papel histórico do capital multinacional no mundo pobre, percebi o papel espoliativo nos mercados do mundo subdesenvolvido. Sob o véu de um marketing bem elaborado essas empresas desenvolvem práticas semelhante à da sangue-suga.
Olham para o nosso mercado, inclusive o Sul do Pará, como competitivo. Mas a competição restringe-se ao sentido da disputa entre empresas. Estabelecidas aqui, depois da assinatura de acordos feitos com o poder público, que deve zelar pelo bem-estar da população, ignoram o público e empreendem a luta pelo lucro fácil. E lucro fácil pressupõe o estado de gastos mínimos.
A omissão na oferta desse tipo de serviço não é um problema apenas em Marabá, uma rápida pesquisa nos informativos on-line possibilitou-me vislumbrar que se trata de fenômeno comum no Norte-Nordeste, que é uma das regionalizações estabelecidas pela empresa dentro do seu programa de atuação. O blog jarivanio[4], da cidade de Governador Nunes Freire, no Maranhão, informa que foi preciso a intervenção do Promotor de Justiça daquela Comarca, André Alcântara, ante a ausência do serviço de telefonia pública fixa (orelhão) nos municípios de Nunes Freire, Maranhãozinho e Centro do Guilherme. Ainda no Nordeste, em Salvador, o UOL Notícias informa que naquela cidade telefones públicos não funcionam, frustrando turistas e moradores. Segundo a reportagem, “encontrar um telefone público funcionando em Salvador está difícil [...] a reportagem verificou que grande parte dos telefones públicos da cidade, os chamados “orelhões”, não funcionava[5]”. O portal de notícias N3[6] com uma reportagem sugestiva “será que é o fim dos orelhões em Teixeira de Freitas” notícia os transtornos da ausência do serviço no interior baiano. No norte, dois casos. Em Manaus, o portal Amazônia[7], notícia que “orelhões quebrados deixam Manaus sem serviço de telefonia pública”. Aqui no Pará, o jornal O Liberal[8] torna pública a situação da capital. Sob o título “sem serviço” o jornal apresenta a situação de Belém onde os telefones públicos também encontram-se, em grande parte, desativados.
Em todos os casos o mesmo argumento: vandalismo. Para a empresa é a ação de vândalos que explica o ausência do serviço. Mas vejamos. A empresa nos argumentos vinculados nos informativos supra-citados sempre dá a entender que os aparelhos deixam de funcionar porque as pessoas os quebram. Contudo, qual o utilitário não se gasta pela ação do tempo? Qual, por exemplo, é o tempo de duração dos pneus de um veículo? Ou a duração de um leitor ótico? O aparelho fixo-público (orelhão) é um bem de duração indeterminada? Nota-se que, diferente de regiões como Goiás, onde os aparelhos foram trocados, os aparelhos no Norte-Nordeste, a exemplo do Pará, ainda são do tempo da Telemar. Então, o que espera a empresa, que os aparelhos expostos a ação de agentes naturais (ácidos da chuva, sol, poeira, etc) durem por tempo indeterminado? E no caso dos vândalos, ação que não se pode negar, apenas a prática destes é suficiente para justificar a omissão da empresa? Então, se uma escola é destruída o Estado não deve reergue-la? Se um ônibus é queimado, não vai rodar mais nenhum outro na mesma linha? O crime de outro justifica o meu? Mais importante, nesse processo, que o vandalismo é o descaso da OI. Não há em muitos aparelhos públicos de Morada Nova qualquer sinal de dano físico, no entanto, o aparelho não funciona e, quando funciona, aparece sempre a mensagem “fora de operação”.
A Anatel[9] regulamenta o serviço estabelecendo que:
[... ] nas localidades atendidas somente com um orelhão, este deve estar disponível 24 horas por dia e realizar chamadas de longa distância nacional e internacional;
nas localidades que já contam com telefones públicos e linhas residenciais/comerciais, os orelhões deverão estar dispostos de modo que qualquer ponto esteja a menos de 300 metros geodésicos (em linha reta) de um telefone público;
as solicitações de reparo de telefone público poderão ser feitas diretamente à concessionária de telefonia. A Anatel exige que 98% delas sejam atendidas em até 8 horas e, em qualquer hipótese, esse prazo nunca poderá ultrapassar 24 horas; no caso de aparelhos localizados em regiões remotas ou de fronteira, a exigência é de que as solicitações sejam atendias em até cinco dias em 92% dos casos, nunca podendo exceder dez dias;
estabelecimentos de ensino regular, instituições de saúde, estabelecimentos de segurança pública, bibliotecas e museus públicos, órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e de defesa do consumidor de localidades que já contam com telefones públicos e residenciais/comerciais poderão solicitar a instalação de orelhão em suas instalações - o que deverá ser feito no prazo máximo de até sete dias; [...].
[1] Não consultei nenhum banco de dados para essas informações. Assim, podem variar o número de habitantes e a distância entre Morada Nova e a Cidade Nova, por exemplo, para mais ou para menos.
[2] Fonte: http://info.abril.com.br/noticias/mercado/lucro-da-oi-e-recorde-no-semestre-30072010-1.shl
[3] Fonte: http://www.brasileconomico.com.br/noticias/oi-reverte-prejuizo-e-acumula-lucro-de-r-1367-bi-em-2010_93520.html.
[4] Fonte: www.jarivanio.com/2011/05/oi-e-acionada-por-ministerio-publico.html
[6] Fonte: www.portaln3.com.br/teixeiradefreitas/noticias/25/10/2010/sera-que-e-o-fim-dos-orelhoes-em-teixeira-de-freitas.
[7]http://www.portalamazonia.com.br/secao/noticias/orelhoes-quebrados-deixam-manaus-sem-servico-de-telefonia-publica
[8] Fonte: http://www.orm.com.br/projetos/oliberal/interna/default.asp?modulo=247&codigo=538629
[9] Fonte: http://www.anatel.gov.br/Portal/exibirPortalInternet.do#
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