Tive, em alguns momentos da minha vida
acadêmica, e depois docente, a oportunidade de ler escritos de Paulo Freire. Penso
que o conjunto da obra intelectual desse educador constitui leitura imprescindível
a qualquer educador que trabalhe num contexto sócio-econômico e político
similar ao brasileiro, o que faz a obra atual para além dos limites das
fronteiras do nosso país. Pedagogia da autonomia é um clássico cujo título é
síntese da obra. Mas, se pedagogia da autonomia
é um clássico, professora sim, tia não
é um manual de conhecimento necessário a todos aqueles que trabalham em escolas
e pretendem significar a sua docência ultrapassando o sentido da servilidade e
da estéril reprodução das desigualdades sociais, como se por ser um fato dado,
essa realidade não seja carente de transformação.
Professora sim, tia não é uma
insurgência contra o papel de tia que, segundo o autor, se pretendeu à
identidade da professora. O não ser tia, contudo, não é desafeto. O afeto deve
existir, mas não pode emanar de uma pretensa filiação, ou de qualquer relação
paternalista. Coerência e política são
expressões recorrentes no texto porque são valores distintivos entre a
professora, que assume posições políticas e é coerente, e a tia, que anima e acalenta,
porque pensa o seu fazer como uma extensão das relações familiares.
A formação continuidade, um compromisso,
e a ousadia como valor, são fundamentos caracterizadores da professora. Nas
palavras de Freire (1997: 9):
O
processo de ensinar, que implica o de educar e vice-versa, envolve a “paixão de
conhecer” que nos insere numa busca prazerosa, ainda que nada fácil. Por isso é
que uma das razões da necessidade da ousadia de quem se quer fazer professora,
educadora, é a disposição pela briga justa, lúcida, em defesa de seus
direitos como no sentido da criação das conceições para a alegria na escola, um
dos sonhos de Snyders[1]
Muito própria à nossa
realidade a exigência de que a professora assuma uma “briga justa” e “lúcida”
em defesa de seus direitos. De fato, não dá pra esperar que uma tia lute por
direitos. Fazer profissional tem preço, paternalismo não. Então, somente
professoras podem lutar pela defesa da educação com qualidade, o que implica
valorização de si.
Nesse sentido, tias não são
as professoras chamadas de tias, ou as tias efetivamente. Tias e tios são
professoras e professores que tornam o fazer docente um exercício profissional
inferior, porque se deixam submeter, seja por falta de qualidade intelectual
para lutar, seja por covardia frente às opressões e ameaças. Existem tias e
tios em excesso no interior de nossas escolas, e essa é a razão de nossa
educação encontrar-se no pé em que está.
Como esperar de uma pessoa
que não luta por seus próprios interesses, que lute por alguma coisa que seja
digna? Como esperar de uma pessoa que não defende condições melhores de
trabalho e valorização da sua prática, que possa contribuir para que nossa
educação seja melhor em qualquer sentido? Como esperar alguma coisa de alguém
que não espera nada de si próprio? Como transformar o nosso sistema de ensino
tendo de lidar com tantas tias e tios no interior das escolas?
Tornou-se comum a definição
da educação como ponte entre a miséria e condições mais dignas de vida para a
imensa massa de miseráveis do nosso país. Os discursos políticos não deixam dúvida
de que também eles sabem do caminho das pedras. E todos sabem que a educação,
mas não essa educação que temos, é a solução. Todos sabem. Mas ninguém, no
universo político-administrativo, parece disposto a fazer alguma coisa no sentido
de superação dos problemas. A sociedade, que entrega seus filhos à escola como
se esta devesse substituir a família, tão pouco colabora para a superação do
caos em que repousa o nosso sistema educacional.
Se nenhum sujeito externo –e
nesse caso considero que os administradores públicos se portam como sujeitos
externos –se interessa por colaborar com a solução dos problemas, é preciso
apostar na transmutação das tias e tios em professoras e professores esperando
daí o advento da revolução que torne a educação meio de emancipação política do
nosso povo. É por isso que não me resta nenhuma dúvida que a leitura de professora sim, tia não deveria ser
obrigatória em todos os cursos de licenciatura.
Bibliografia:
Bibliografia:
FREIRE, Paulo. Professora sim, tia
não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Editora Olho D`água, 1997.
[1] GEORGES, Snyders. La Joie à
L’école. Paris: Puf, 1986.
Parabéns Professor, seu blog é excelente!
ResponderExcluirGrande abraço,
Mickaela
Achei que esse texto é interessante porque fala sobre um tema muito atual que é o problema da educação brasileira. Realmente, os professores precisam ler Paulo Freire.
ResponderExcluirAntônio Cintra Galvão