quarta-feira, 23 de novembro de 2016

GPTEC: CARTA DE BELÉM

Comunicação. Adonia Prado.
O Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo, GPTEC, foi  criado em 2003 ligado ao Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos Suely Souza de Almeida (NEPP-DH), do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Desde então, sob a coordenação dos professores Ricardo Rezende Figueira e Adonia Antunes Prado e das pesquisadoras Edna Maria Galvão de Oliveira, Sonia Benevides e Suliane Sudano o GPTEC tem se constituído num espaço plural de debate interdisciplinar sobre o trabalho escravo e questões correlatas.

O 9º encontro ocorreu ente os dias 16, 17 e 18 últimos, na cidade de Belém. Com a presença de professores, pesquisadores e operadores do direito das mais diversas regiões do país, e até da Europa, tratou-se não só de momento de reflexão e debate sobre o trabalho escravo contemporâneo e as questões que lhe são correlatas, mas também de tomada de consciência frente aos desafios do momento histórico que vivemos e de demarcação de posição em relação ao que considerou-se retrocesso na luta contra o trabalho escravo. 

A Carta de Belém, que passo a reproduzir na íntegra, é a síntese desse posicionamento:



Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ

Universidade Federal do Pará UFPA

   Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo - GPTEC

Clínica de Direitos Humanos da Amazônia (CIDHA)


CARTA DE BELÉM

Os pesquisadores do Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo – GPTEC e demais participantes da IX reunião científica trabalho escravo contemporâneo e questões correlatas, realizada nos dias 16, 17 e 18 de novembro de 2016, na Universidade Federal do Pará, em Belém - PA:
  1. Reafirmam intransigente defesa e a absoluta necessidade da manutenção do atual conceito de trabalho análogo ao escravo, previsto no art. 149 do Código Penal, fruto de construção social, avanço político e de compromisso institucional assumido pelo país perante a Corte Interamericana dos Direitos Humanos, na solução amistosa do Caso José Pereira (nº 11.289), para a proteção da vida, integridade e dignidade dos trabalhadores e não só da liberdade, em sentido estrito;
  2. Externam absoluta convicção sobre a inconstitucionalidade dos projetos de lei que objetivam a alteração do atual conceito de trabalho análogo ao escravo: PL 2464-2015, PL 3842/2012, PLS 432/2013 (regulamentação da PEC do Trabalho Escravo) e PLS 236/2012 (Reforma do Código Penal), descaracterizando-o por completo em relação às práticas contemporâneas e características do nosso país, sobretudo com a retirada do tipo penal das condições degradantes de trabalho e da jornada exaustiva, tornando a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 81, de 05.06.2014, conhecida como PEC do Trabalho Escravo, absolutamente vazia de sentido;
  3. Reiteram que no Brasil já existe tipificação adequada para o crime de manter trabalhadores em condições análogas à escravidão, tendo em vista que a maior parte dos resgates realizados pelos auditores fiscais do trabalho ocorre em face de condições degradantes de trabalho (como alojamento em barracos de lona ou palha, expostos a intempéries e animais peçonhentos; o repouso em condições totalmente inadequadas; o consumo de água em locais onde animais defecam ou guardada em vasilhames de agrotóxicos; o recebimento de comida estragada e insuficiente; o desempenho de atividades sem qualquer proteção à saúde e segurança) e da submissão dos trabalhadores a jornadas exaustivas. Ressalta-se que não se trata apenas do descumprimento de normas trabalhistas, como afirmam os autores das propostas legislativas, mas de verdadeira violação dos direitos humanos dos trabalhadores;
  4. Repudiam publicamente as justificativas constantes dos Projetos de Lei, no sentido de que o conceito do crime previsto no art. 149 do Código Penal está em desacordo com a Convenção nº 29 da OIT, ratificada pelo Brasil em 1957. Ao contrário do que divulgado, o referido instrumento internacional não procurou referir-se às formas específicas de trabalho forçado, existentes nas diferentes regiões do mundo, mas abarcar possíveis espécies dessa violação aos direitos humanos, definindo que os Estados-Membros que a ratificarem devem punir o trabalho forçado como crime e assegurar que as sanções impostas pela lei sejam adequadas e rigorosamente aplicadas. Além disso, a legislação nacional deve impor outras sanções, como o confisco dos benefícios derivados do trabalho forçado e de outros ativos;
  5. Alertam a sociedade de que o Brasil é citado pela OIT como exemplo para a comunidade internacional, de um país fortemente comprometido com o enfrentamento da escravidão contemporânea, justamente em razão do atual conceito previsto no art. 149 do Código Penal, o que, inclusive, inclusive, inspirou a alteração dos ordenamentos jurídicos de outros países, como da França, Espanha e Venezuela e de que a alteração do conceito representará violação dos instrumentos internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, além de incontestável retrocesso na proteção de direitos historicamente conquistados;
  6. Manifestam profunda preocupação com a possível aprovação Projeto de Lei da Câmara nº 30/015, atualmente em trâmite no Senado Federal, que trata da terceirização do “conjunto das atividades empresariais”, legitimando a intermediação de mão de obra no ordenamento jurídico brasileiro, em detrimento de garantias constitucionais, como a isonomia e a relação de emprego socialmente protegida. A análise científica do fenômeno da terceirização e de sua regulação jurídica demonstra que esse mecanismo tem sido responsável pelo decréscimo dos patamares jurídicos da afirmação de direitos individuais e coletivos dos trabalhadores. As pesquisas mais recentes apontam, por exemplo:
a) a incidência de acidentes de trabalho graves e fatais, bem como de doenças ocupacionais, é infinitamente maior entre terceirizados;
b) o número de trabalhadores resgatados em situações análogas às de escravo é na sua quase totalidade de terceirizados;
c) a duração semanal do trabalho terceirizado é superior a do trabalhador diretamente contratado;
7. Declaram, finalmente, o firme propósito de caminharem unidos na luta pelo combate ao trabalho análogo ao escravo no Brasil, confiantes no diálogo social e na colaboração entre os diferentes atores que integram a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo - CONATRAE.

                                                           Belém, 18 de novembro de 2016

1. Ricardo Rezende Figueira – Prof. do PPDH – Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas em Direitos Humanos do NEPP-DH/UFRJ - Coordenador do GPTEC/NEPP-DH/UFRJ

2. Valena Jacob - Profª do PPGD/UFPA e Clínica de Direitos Humanos da Amazônia. Coordenadora da IX Reunião Científica Trabalho Escravo Contemporâneo e questões correlatas.

3. Adonia Antunes Prado – Profa. do PPDH  Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas em Direitos Humanos do NEPP-DH/UFRJ e pesquisadora do GPTEC/NEPP-DH/UFRJ
4. Ana Carolina Cazetta - graduanda de Direito e bolsista de iniciação científica da Clínica de Direitos Humanos da UFPA
5. Ana Carolina Mendes de Albuquerque - graduanda do CESUPA e bolsistas da Clínica de Direitos Humanos do Cesupa
6.  Antônio José Martins Fernandes graduando do CESUPA e bolsistas da Clínica de Direitos Humanos do Cesupa
7.  Ana Rebecca Manito Litaiff  - graduanda de Direito CESUPA
8. Camila Franco Henriques - Mestranda em Direito pelo PPGD/UFPA
9.  Camila Rodrigues Neves de Almeida Lima - Doutoranda em Direito Público e Mestre em Direito – Coimbra - Portugal
10. Clara Oliffson Kamphorst Leal da Silva - bolsista PIBIC da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da FDUFMG
11. Edna Maria Galvão – Doutora em Memória Social e Pesquisadora do GPTEC-NEPP-DH-UFRJ
12. Fabiana Galera Severo - Graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Mestranda em direitos humanos pela Faculdade de Direito da USP. Defensora Pública Federal em São Paulo
13. Flávia de Almeida Moura - Jornalista, mestre em Ciências Sociais e doutora em Comunicação. Professora do Departamento de Comunicação Social da UFMA e coordenadora do projeto de pesquisa Comunicação, Direitos Humanos e Trabalho
14. Flora Oliveira da Costa -  Mestranda em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco
15. Jonatas dos Santos Andrade – Juiz Titular da Vara do Trabalho de Marabá do TRT da 8ª Região.
16. Jeyciane Elizabeth Sá Santos - Graduanda do curso de Comunicação Social/Jornalismo da UFMA e bolsista do PET (Programa de Educação Tutorial) Conexões de Saberes
17. Gabrielle Louise Soares Timóteo - Graduação em Direito na Universidade de São Paulo (USP). Advogada e professora universitária. Doutora em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo – USP
18. Gladyson Stelio Brito Pereira – Doutorando em História pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Professor assistente de teoria e método historiográfico da Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL
19. Helena Maria Pereira dos Santos - Mestranda do Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGD/UFRJ) - Bolsista CAPES. Integrante do Grupo de Pesquisa Configurações Institucionais e Relações de Trabalho (CIRT)
20. Heleni Castro Lavareda Corrêa - Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito, Políticas Púbicas e Desenvolvimento Regional do Centro Universitário do Pará – CESUPA
21. Isabele Bandeira Moraes D’Angelo - Mestre e doutora em Direito pela UFPE. Professora da graduação e pós-graduação latu sensu da Universidade Federal de Pernambuco
22. José Claudio Monteiro de Brito Filho - Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Professor dos Programas de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário do Pará CESUPA e da UFPA
23.   Juliana Felicidade Armede. Doutora e Mestre em Direito das Relações Sociais (2016) PUC-SP
24. Krystima Karem Oliveira Chaves - Professora Faculdade Castanhal (Belém). Mestre em Direito, Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional pelo Programa de Pós-Graduação stricto sensu Mestrado do Centro Universitário do Pará- CESUPA. Coordenadora do Núcleo de Práticas Jurídicas da ESTÁCIO Castanhal – FCAT
25. Lilia Carvalho Finelli Doutoranda e  Mestre em Direito do Trabalho pela UFMG, Advogada da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da FDUFMG. Coordenadora da Câmara Técnica de Trabalho Escravo e Trabalho Infantil do Comitê Estadual de Atenção ao Migrante, Refugiado e Apátrida, Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Erradicação do Trabalho Escravo (COMITRATE)
26. Lívia Lemos Falcão de Almeida - Mestra em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Doutoranda em Direito Internacional pela Universidad Complutense de Madrid
27. Lívia Mendes Moreira Miraglia – Professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutora em Direito do Trabalho pela UFMG. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/MG. Advogada. Coordenadora da Clínica de trabalho escravo e tráfico de pessoas da FDUFMG
28. Luciana Paula Conforti – Juíza do Trabalho do TRT6, Doutoranda em Direito do Trabalho pela UnB, integrante do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania (UnB/CNPQ)
29. Luís Henrique da Costa Leão - Doutor em Saúde Pública – psicólogo, professor Adjunto II da UFMT. Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva - UFMT
30. Luiza Albuquerque - mestranda do PPGD/UFPA
31. Maíra Etzel – Mestranda e pesquisadora do GPTEC-NEPP-DH-UFRJ
32. Marília Roberta Maia da Silva (bolsista PIBIC/UFPA)
33. Marcus Menezes Barberino Mendes - Juiz Titular da Vara do Trabalho de São Roque do TRT da 15ª Região, mestre em Desenvolvimento Econômico, e doutorando em Desenvolvimento Econômico, área de concentração Economia Social e do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas
34. Mércia Pereira Doutoranda en Derecho laboral de la Facultad de Derecho de la Universidad de Buenos Aires
35. Moisés Pereira da Silva Doutorando em História Social na PUC-SP. Docente licenciado da Universidade Estadual de Goiás
36. Natalia Mascarenhas Simões Bentes - Professora de Direitos Humanos e Direito Internacional Público e Privado do CESUPA e da UFPA. Mestra em Direito Público - Faculdade de Direito da Universidade do Porto Portugal. Doutoranda em Direito Público Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - Portugal
37. Nonnato Masson Mendes dos Santos - mestrando em Direito e Instituições do Sistema de Justiça da UFMA – advogado criminalista, professor Instituto Florense de Ensino Superior)
38. Monica da Silva Cruz - doutora e mestra em língua portuguesa (UNESP/ARARAQUARA), professora dos programas de pós-graduação em letras e em direito e Instituições do Sistema de justiça da UFMA
39. Paulo César Corrêa Borges – Pós-doutor pela Universidade de Sevilla, Espanha. Professor e Coordenador do PPGD da UNESP/FRANCA/SP e do NETPDH – Núcleo de Estudos da Tutela Penal e Educação em Direitos Humanos. Promotor de Justiça MPE/SP
40. Paulo Henrique Gurjão - Graduado em Direito pela Universidade Federal do Amazonas. Co-Coordenador do Núcleo de Estudos em Processo da Universidade Federal do Amazonas - NEPRO/UFAM
41. Prudêncio Hilario Serra Neto - Mestre em Direitos Humanos, Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional, pelo Centro Universitário do Pará, CESUPA, advogado e bacharel em Psicologia pela Universidade da Amazônia, UNAMA.
42. Raquel das Neves Rafael – mestranda em direito do PPGD da UNESP/FRANCA/SP
43. Rebeka Yasmim Teotônio P. Rabelo - Graduanda em Direito pela Universidade de Pernambuco. Membro do Grupo de Pesquisa e de Estudos sobre a exploração do Trabalho à Condição Análoga a de Escravo, da Universidade de Pernambuco
44. Renan Bernardi Kalil - Graduado e Mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP). Procurador do MPT
45. Rose Maria dos Passos - Mestranda do PPGD da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC)
46. Sara Lúcia Moreira de Cerqueira – graduanda UFMG
47. Sávio José Dias Rodrigues - Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Ceará. Professor Adjunto da UFMA
48. Shirley Silveira de Andrade – Doutora. Professora do Curso de Direito da Universidade Federal de Sergipe e coordenadora do Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo da mesma instituição
49. Simone Costa – Jornalista.  Especialista em jornalismo literário
50. Sonia Benevides – jornalista e pesquisadora do GPTEC-NEPP-DH-UFRJ
51. Suliane Sudano – Mestre em Serviço Social e pesquisadora do GPTEC-NEPP-DH-UFRJ
52. Suzy Elizabeth Koury - Desembargadora Federal do Trabalho da 8ª Região, Doutora e Professora do mestrado do CESUPA
53. Ubiratan Cazetta - Procurador da República do Pará. Mestre em Direitos Humanos pela UFPA. Professor da Escola Superior do Ministério Público da União – ESMPU
54. Valter Zanin – Professor Phd do Dipartimento di Filosofia, Sociologia, Pedagogia e Psicologia Applicata (Fisppa) – Università di Padova
55. Yasmin Sales Silva Cardoso - (aluna da graduação em Direito CESUPA)
56. Roberta Castro Alves de Paula Hanneman – Mestre em Direito - UFPA
57. Luis Antonio Camargo de Melo – Procurador do Trabalho
58. Adilson Santana de Carvalho. Mestre em Teoria literária, UNB. Coordenador geral da Comissão Nacional de trabalho escravo – CONATRAE

Adesões:

59.   ABRAT – Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas
60.   Ação pela Cidadania
61. CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultores Familiares
62.   JUTRA – Associação Luso-brasileira de Juristas do Trabalho
63. Ação Pela Cidadania ANPT – Associação Nacional de Procuradores do Trabalho

64.  NETPDH – Núcleo de Estudos da Tutela Penal e Educação em DDHH (Paulo Borges)
65.   Núcleo de Pesquisas de Políticas Públicas – NEPP-DH/UFRJ
66.   Programa de Pós-Graduação de Políticas Públicas de Direitos Humanos – PPDH/NEPP-DH/UFRJ
67.   Vantuil Pereira – professor NEPP-DH/UFRJ
68.   Maria Celeste Simões Marques. Profa. NEPP-DH/UFRJ
69.   Pedro Cláudio Cunca Bocayuva – Prof. NEPP-DH/UFRJ

70. Programa de Pós Graduação em Direito – PPGDIREITO/UNESP/Franca/SP
71. Grupo de Pesquisa Configurações Institucionais e Relações de Trabalho – CIRT/PPGD/UFRJ

72.   MHUD – Movimento Humanos Direitos
73.   Adair Rocha – professor da UERJ
74.    Bete Mendes - atriz
75.   Bruno Catoni – jornalista e poeta
76.   Camila Pitanga - atriz
77.   Clarisse Sette – Produtora de TV
78.   Cristina Pereira - atriz
79.   Daniel Carvalho de Souza - designer
80.   Generosa de Oliveira – Produtora cultural e educadora Social. Pesquisadora do LT&F-COPPE/UFRJ.
81.   Gilberto Miranda - ator
82.   Leonardo Vieira - ator
83.   Priscila Camargo - atriz
84.   Salete Hallack - Arquiteta, Designer e Fotógrafa
85.   Van Furlanetti - ator
86.   Virgínia Berriel – Atriz, Jornalista, diretora do Sinttel-Rio
87.   Wagner Moura - ator

88.   Noemia Porto - Juíza do Trabalho, profa. Universitária,
89.   Paulo Maia – presidente da OAB-PB, professor universitário
90.   Tiago Resende Botelho – prof. da Faculdade de Direito e Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados
91.   Ricardo Machado Lourenço Filho – Juiz do Trabalho, prof. universitário, integrante do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e  Cidadania da UnB
92.   Gabriela Neves Delgado, professora da UnB, Coordenadora do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e  Cidadania da UnB
93.   Maria Augusta Tavares – Doutora em Serviço Social, Pós Doutora em Serviço Social, Economia e História Contemporânea. Líder do Grupo de pesquisas sobre o Trabalho na UFPB – Brasil e membro integrado do Grupo de História Global do Trabalho e dos Conflitos Sociais do IHC//FCSH da Universidade Nova de Lisboa – Portugal
94.   Sandra Lia Simón – Sub-procuradora-geral do Trabalho
95.   Sergio Cabral dos Reis – Doutorando em Direito (UFSC). Professor efetivo da UEPB e do Unipê. Juiz do Trabalho do TRT da 13.região
96.   Roberto Paraúna – Presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT.



sábado, 5 de novembro de 2016

MORO CANDIDATO À PRESIDÊNCIA É FACTOIDE: A PAIXÃO DE NARCISO É POR SI MESMO.

Reinaldo Azevedo, colunista da Folha de São Paulo, e também um dos maiores fascistas da imprensa brasileira, publicou, sob o título Militância fora do tribunal indica que Moro está, sim, candidato a algo, um texto no qual avalia que o juiz Sérgio Moro já não satisfaz-se apenas com a capa do Batman, o herói de brinquedo deseja mais. Nessa acepção, na ânsia por poder, e pelo reflexo espelhado, de salvador da pátria, o juiz desejaria ser presidente do Brasil. Minha interação com um fascista com espaço na grande imprensa é para discordar. Moro não será candidato nada.

Moro, embora tão afeito a afagos que estrebuche com as discordâncias – como no caso da publicação, também na Folha, do colunista Rogério Cezar de Cerqueira Leite – sabe que existe um número significativo de brasileiros que desconfia do seu justiçamento.

Aliás, houve, nos tempos do mensalão, a mesma especulação sobre a candidatura do então presidente do STF Joaquim Barbosa. E o que aconteceu em seguida? Joaquim Barbosa, silenciosamente, saiu da vida pública.

O que percebo, com muita clareza, é o esforço de um dos jornalistas mais engajados no golpe de reforço da tese de que o Temer não serve. Assim, a candidatura de Moro seria o futuro em face da negação do presente. O presente, que em si já se apresenta como passado, nessa perspectiva, carece do futuro, jovem e justiceiro. A intenção, na verdade, não é promover uma campanha pró Moro. A intenção é negar o governo Temer.

A perspicácia está na negação do Temer em função não do Moro, mas do ambiente que se tem criado para a ascensão do PSDB, inclusive com a possibilidade de retorno de outro velho, FHC, que nesse caso retomaria um futuro que foi interrompido. A construção de uma ordem econômica progressista-liberal teria sido interrompida por uma política social-irresponsável, razão porque, num ambiente de crise, não econômica mas de rumos para a nacionalidade, a retomada dessa política significaria o futuro e não o passado. 

Como se vê, os golpistas não tiram folga.

O gozo de Sérgio Moro ainda é a ideia de herói nacional. Sua paixão, uma câmara e seu rosto nos jornais.
E o Moro, fantoche, pela própria vaidade que lhe é característica, tem sido o instrumento útil para todas essas articulações. Até quando não está ocupado com a pirotecnia que envolve as prisões petistas, Moro é útil. Moro é o fantoche útil na produção do caos em nome da ordem.

Nesse sentido, não resta dúvida de que Moro não é candidato a nada. Ninguém, da elite política, quer Moro candidato. O próprio Moro não tem esse desejo. Sério Moro sabe que não sobreviveria a um dia de campanha. 

A sua vaidade é superior à ânsia por poder. E a vaidade é óbice a qualquer sedução eleitoreira. Certamente não irá desejar o justiceiro que o mito de herói seja destruído por uma devassa em sua vida pública e privada. Isso revelaria que o herói é homem e, pior, brasileiro. A consequência desse reconhecimento seria o fim do mito de herói nacional. A brasilidade -infelizmente não dá pra discutir os sentidos disso aqui - bastaria para pôr fim ao mito que tanto lhe apraz. A brasilidade é incompatível com qualquer heroísmo.

A paixão de Narciso não é por um trono. Narciso é cheio apenas de si mesmo.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

ALÉM DAS NOTAS DE REPÚDIO: O TERRORISMO DE ESTADO REQUER AÇÕES CONCRETAS

Li algumas notas de repúdio sobre a violência sofrida pelo professor Euzébio Carvalho, da UEG Campus da cidade de Goiás. Para tantos outros episódios de violência, variando o estilo de escrita, permanece a prática comum da nota de repúdio. Os autores dessas notas, geralmente lideranças ou gestores, o fazem na boa intenção de que manifesta a discordância aos abusos a que as notas se referem os autores de tais atos possam constranger-se em face dessa reprovação pública. Considerado esse caráter, as notas são importantes. Mas, sobretudo pela reincidência, como é o caso em Goiás, são inócuas enquanto resultado.

No dia seguinte à prisão dos manifestantes de Goiás alguns professores, colegas meus da UEG manifestaram a convicção de que era preciso uma resposta ao ocorrido. Quando houve prisões nas ocupações em Goiânia, inclusive do professor Rafael Saddi, o sentimento também era esse, da necessidade de reação.

Li, com muita indignação, as notícias sobre a estrutura de vigilância montada por polícias e gestores para seguir, e perseguir, pessoas comprometidas na luta que, a julgar pelas pesquisas que reprovam as reformas temerosas e marconistas, é de 70% da sociedade brasileira. Esse tipo de prática remete às ações dos agentes de organismos como SNI e DOPs em tempos que, somente hoje, se reconhece inequívoco e publicamente como ditadura, [essa “unanimidade” apenas o passado produz]. A repressão se avoluma e nós nos incomodamos na mesma medida em que nos acomodamos.

Gostei, sobremaneira, da nota de repúdio da direção do Campus Cora Coralina, Cidade de Goiás. É um texto corajoso quando se sabe que as direções de Campus na UEG não têm, sobretudo se querem ter mais algum mandato, muita margem de liberdade. Nesse sentido, a direção pôs o compromisso com o Campus acima dos limites de seus interesses próprios. Isso tem um valor incalculável, especialmente para os presos políticos.

Mas, isso não parece ter produzido resultados significativos. Avançam e ganham corpo as medidas que nos precarizam e as estratégias que nos cerceiam. O diálogo é uma possibilidade cada vez mais remota. Não interessa o que pensamos ou o que temos a dizer. Se pensamos ou se queremos dizer, nos prendem e nos metamorfoseiam em marginais. E isso é muito forte. Isso produz o medo naqueles que ainda não foram marcados com um número de processo. Isso põe medo no coração daqueles que ainda são virgens de cadeia.

Sim, precisamos fazer alguma coisa. Precisamos ir pra rua e enfrentar o monstro antes que seja tarde.

O Estado é o terrorista. Nossa luta não é mais contra as OSs. Nossa luta não é contra a Lei da Mordaça. A nossa luta não é contra a PEC. A nossa luta é contra todas as formas de opressão que cada uma dessas medidas, e todas elas, juntas, representam.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

PRESO PROFESSOR DA UEG EUZÉBIO CARVALHO: TERROR EM GOIÁS


Acordei, nessa manhã de 02 de novembro, dia de finados, com a triste notícia da prisão do professor Euzébio Carvalho, pessoa a quem respeito e estimo muito. O professor foi preso na UEG Campus da Cidade de Goiás, primeiro Campus da UEG ocupado na luta contra a PEC da morte e outros desmandos do governo temeroso que, em Goiás, encontra inspiração e apoio no ditador do cerrado.

Como se sabe o governador de Goiás, Marconi Perillo, inimigo da educação, por isso inimigo dos estudantes e dos educadores, tem enfrentado grande resistência no seu projeto de privatização da educação que, constitucionalmente, deve ser pública e obrigatória. Pouco afeito ao diálogo a forma como o governador tem lidado com a contestação social ao seu projeto é a repressão, para o que conta com professores que ocupam cargos comissionados, liderados pela secretária de Educação, Raquel Teixeira, figura execrável do ponto de vista dos educadores goianos.

Reportagem do jornal Ponte, publicada em 31/10/2016 já denunciava que professores e alunos estavam sendo perseguidos e vigiados por policiais e até por outros professores que atuavam a mando da secretária de educação.

Prof Euzébio algemado.
A prisão do professor Euzébio e de alunos que ocupavam o Campus Cora Coralina é uma consequência dessa estrutura repressiva montada não só por Marconi Perillo em Goiás, mas Por Alckmin, em São Paulo; Beto Rixa, no Paraná; Marcelo Miranda, no Tocantins e pelo próprio Temer, no Brasil. Estamos revivendo a ditadura. O ano não é mais 1964, mas a estrutura autoritária é a mesma. E essa estrutura conta, inclusive, com o apoio de membros do judiciário, como o juiz Alex Costa de Oliveira, que recomendou a tortura de alunos em Taguatinga-DF. Essa ditadura, como em 1964, conta com o apoio de uma parcela significativa da sociedade, por acefalia ou por medo de perder seus privilégios.

Os professores foram presos à noite pela tropa de elite da polícia militar. Repito, tropa de elite. Durante a madrugada foram levados para exame de corpo delito e pela manhã foram liberados. O objetivo não é o cárcere. Na ditadura que se instaurou em 1964, também não era o cárcere. O objetivo é atingir o espírito. Se quebra a resistência pela afetação moral. A prisão é sempre um momento de extrema humilhação. Depois dessa primeira humilhação vem o fichamento, o processo. Na gíria dos bandidos, os do estado e os bandidos comuns, o sujeito não é mais virgem, tem passagem.

Mas há algo maravilhoso nesse espetáculo dantesco, ele envolveu a UEG e, com essa repressão, a tendência é o despertar dos dormentes. Como já descrevi em outros momentos a UEG é uma jovem que cresce com sérias deformações e a síndrome de Alice no País das Maravilhas é uma destas deformações. O professor Euzébio mesmo já foi vítima desse descompasso entre a realidade social goiana e os limites de interpretação e intervenção da parte de docentes e gestores. O boicote à visita do professor Rafael Saddi ao Campus de Uruaçu, que falou para uma plateia esvaziada, é outro exemplo dessa demência.

O que o Marconi e seu esquadrão espera é que essas pessoas, agora fichadas, mergulhem num quadro psicológico de medo. Esse é o efeito mais terrível do processo, a incerteza diante de um Estado que já se sabe arbitrário.

Não tenho dúvida de que, num ambiente tal, somente a luta pode nos salvar.

Concluo por dizer, principalmente a você professor Euzébio, que o meu respeito e apreço por sua pessoa aumenta depois do ocorrido. Estou afastado da UEG, mas meu espírito sempre ansiou por uma Universidade que signifique, pelas práticas daqueles que a dão sentido, meio de efetiva autonomia e de engajamento do povo na luta que é do povo, principalmente daquele povo que hoje não se reconhece no be-a-ba mal lido que temos repetido todos os dias. Nesse sentido o comprometimento de vocês é didático e nos inspira.

terça-feira, 1 de novembro de 2016

A SOCIEDADE MEDIEVAL, TEXTO PARA ALUNOS DO ENSINO MÉDIO

Clero e nobreza, base da exploração camponesa.
Esse é um texto para alunos do Ensino Médio que estão tendo os primeiros contatos com o mundo medieval, portanto, trata-se de um texto simples, sem o caráter acadêmico dos artigos científicos, que aliás não costumo publicar aqui. Dito isso, chamo a atenção para alguns pontos que explicam tanto a formação do que chamamos medieval como as estruturas de funcionamento daquela sociedade.

O primeiro ponto a se considerar é a crise do Império Romano e as invasões bárbaras ao mundo que havia sido dominado por Roma. A desigualdade social e as revoltas escravistas são parte importante da crise romana. Mas, é importante enfatizar que as disputas políticas, inclusive envolvendo os generais foram o elemento decisivo para a Pax Romana, que decretava o fim das guerras de expansão e, por isso, está no centro do problema já que esse período de paz significou também o fim das recompensas aos generais que comandavam os exércitos, a estagnação da ampliação das terras e a sobrecarga de trabalho aos escravos. O auge dessa crise resultou na divisão do grande Império em dois, Império Romano do Ocidente e Império Romano do Oriente. Vale lembrar que quando falo em Império Romano, seja do Ocidente ou Oriente, estou falando de quase toda a Europa e parte significativa da África e Ásia. Portanto, quando falo aqui em Sociedade Medieval, estou falando, na verdade, da Europa entre os anos de 476 e 1453.

Durante esse período já haviam povos bárbaros dentro do Império Romano, inclusive com o compromisso de defender as fronteiras romanas. Vale lembrar que bárbaro era qualquer povo que não tivesse cultura romana. Esses povos, percebendo a fragilidade do grande Império iniciaram um processo de controle das regiões que ocupavam e lutas para conquistas de outros territórios, os visigodos por exemplo conquistaram a Península Ibérica e a Gália; os vândalos conquistaram o norte da África, os francos conquistaram uma porção da Gália e os Anglo e Saxões conquistaram a ilha da Bretanha [sobre esse assunto, invasões bárbaras ao Império Romano, o aluno pode pesquisar aqui mesmo na internet].

Essas invasões, sobretudo pela violência como ocorriam, produziram uma ruralização, ou seja, as pessoas abandonaram as poucas cidades e foram morar no campo. Mas, assim como no Brasil, onde pouca gente tem muita terra e muita gente nem terra tem, as pessoas sem terra precisaram submeterem-se ao mandos e desmandos de quem tinha terra. Iniciava-se o que nós historiadores chamamos de feudalismo.

No mundo feudal havia um senhor de tudo, que era o senhor Feudal, ou nobreza feudal. A nobreza vivia da exploração dos camponeses que, submetidos a um regime de superexploração eram chamados de servos. A igreja tinha o papel mais importante, o de convencer os explorados de que a exploração era vontade de Deus. O raciocínio era simples, se o reino de Deus era para os pobres e se só os mansos e humildes veriam a Deus, então como não acomodar-se mansamente a essa pobreza?

O lugar de cada um onde cada um tinha o seu lugar.
A sociedade medieval, portanto, foi uma sociedade bastante hierarquizada, ou seja, fundada na desigualdade social. Diz-se que haviam os que oravam, os que guerreavam e os que trabalhavam. Mas certo mesmo é dizer que haviam os que convenciam que a ordem era boa, posto que desígnio divino; haviam os que tinham tempo para as festas e as caçadas esportivas e viviam no luxo e haviam aqueles que trabalhavam para que todos esses outros não precisassem trabalhar.

Nosso país não é feudal. A nossa sociedade não é a medieval. Mas, certamente você sabe que nossa sociedade também é marcada pelas desigualdades sociais. No nosso país os que mais trabalham são também os que quase não têm nada. O povo pobre não tem acesso à assistência médica, nossas escolas são precárias e nossos professores são mal remunerados. Nossa região só não parece mais esquecida do Estado porque os políticos saem de seus gabinete de dois em dois anos para pedir voto. Então, a nossa sociedade também é marcada pela desigualdade social. Existe um abismo entre os que nada fazem, na maioria políticos, mas têm tudo e os que fazem muito, nós e nosso familiares, e não temos direito a nada.

Outra questão que podemos analisar em forma de comparação é a quem cabe o papel de nos convencer de que comportamento devemos ter. Naquele período era a igreja, hoje é a televisão, sobretudo a Rede Globo, que assume um papel de crença no que diz quase como os padres tinham naquele período.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

PRISÃO DE EDUARDO CUNHA, FINALMENTE!

Eduardo Cunha não precisou nem mesmo pôr as mãos para trás, prática comum dos presos e dos conduzidos coercitivamente.
Hoje, por ordem do Juiz Sérgio Moro, o justiceiro, foi preso Eduardo Cunha, um dos maiores canalhas da política recente da República brasileira. A notícia, imediatamente, foi amplamente divulgada. Mas, para espanto de todos, essa não foi uma prisão com acompanhamento cinematográfico. Pareceu mais uma cena do filme encontro marcado, quando a vítima e o algoz já esgotaram todas as possibilidades de protelação, mas ninguém deseja o fim necessário.

Não estranharia se, em algum momento, vazasse a informação de que o lugar da prisão foi proposto por Eduardo Cunha. Não é estranho que tenha faltado registro disso?

Ao judiciário termina por apresentar-se consciencioso frente à sociedade, mesmo tendo sido moroso ante o clamor público em torno do justiçamento relativo a Eduardo Cunha.

Ao executivo, o retorno imediato de Temer, que agora também está temoroso, ao Brasil.

Mas, a quem possa estar preocupado, é apenas fogo de palha. O STF só passou o caso ao à República de Curitiba, depois que a República de cá amarrou todas as pontas.

Agora o caso não é mais para alarde. Essa prisão é um acomodar-se das coisas. 

terça-feira, 18 de outubro de 2016

DESVENDANDO MORO

Rogério Cerqueira Leite, em seu BLOG

O húngaro George Pólya, um matemático sensato, o que é uma raridade, nos sugere ataques alternativos quando um problema parece ser insolúvel.

Um deles consiste em buscar exemplos semelhantes paralelos de problemas já resolvidos e usar suas soluções como primeira aproximação. Pois bem, a história tem muitos exemplos de justiceiros messiânicos como o juiz Sergio Moro e seus sequazes da Promotoria Pública.

Dentre os exemplos se destaca o dominicano Girolamo Savonarola, representante tardio do puritanismo medieval. É notável o fato de que Savonarola e Leonardo da Vinci tenham nascido no mesmo ano. Morria a Idade Média estrebuchando e nascia fulgurante o Renascimento.

Educado por seu avô, empedernido moralista, o jovem Savonarola agiganta-se contra a corrupção da aristocracia e da igreja. Para ele ter existido era absolutamente necessário o campo fértil da corrupção que permeou o início do Renascimento.

Imaginem só como Moro seria terrivelmente infeliz se não existisse corrupção para ser combatida. Todavia existe uma diferença essencial, apesar das muitas conformidades, entre o fanático dominicano e o juiz do Paraná -não há indícios de parcialidade nos registros históricos da exuberante vida de Savonarola, como aliás aponta o jovem Maquiavel, o mais fecundo pensador do Renascimento italiano.

É preciso, portanto, adicionar um outro componente à constituição da personalidade de Moro -o sentimento aristocrático, isto é, a sensação, inconsciente por vezes, de que se é superior ao resto da humanidade e de que lhe é destinado um lugar de dominância sobre os demais, o que poderíamos chamar de "síndrome do escolhido".

Essa convicção tem como consequência inexorável o postulado de que o plebeu que chega a status sociais elevados é um usurpador. Lula é um usurpador e, portanto, precisa ser caçado. O PT no poder está usurpando o legítimo poder da aristocracia, ou melhor, do PSDB.

A corrupção é quase que apenas um pretexto. Moro não percebe, em seu esquema fanático, que a sua justiça não é muito mais que intolerância moralista. E que por isso mesmo não tem como sobreviver, pois seus apoiadores do DEM e do PSDB não o tolerarão após a neutralização da ameaça que representa o PT.

Savonarola, após ter abalado o poder dos Médici em Florença, é atraído ardilosamente a Roma pelo papa Alexandre 6º, o Borgia, corrupto e libertino, que se beneficiara com o enfraquecimento da ameaçadora Florença.

Em Roma, Savonarola foi queimado. Cuidado Moro, o destino dos moralistas fanáticos é a fogueira. Só vai vosmecê sobreviver enquanto Lula e o PT estiverem vivos e atuantes.

Ou seja, enquanto você e seus promotores forem úteis para a elite política brasileira, seja ela legitimamente aristocrática ou não.


ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE *, físico, é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha*

A PRECARIEDADE DA EDUCAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL PARAENSE: O CASO DO SISTEMA MODULAR DE ENSINO – SOME

A primeira impressão sobre o sistema de ensino público estadual do Pará é a de que ele tem sido pensado, historicamente, para dar errado. PMDB, PT, PSDB não se trata de sigla, como também não se pode explicar a situação apenas pela excrescência do projeto educacional do atual governo. A constituição da precariedade, portanto, remonta ao passado. Mas é um passado-presente à medida que se pode constatar contínua e agravada.

Se é difícil identificar o princípio do equívoco a nível de política pública, mais trabalhoso ainda é precisar, na ponta, quem partilha da culpa e quem faz o enfrentamento ao problema.

Tive a oportunidade de conhecer, desde que tomei posse em 2009, professores e gestores comprometidos com a educação pública paraense. O SINTEPP, representação classista dos profissionais da educação do Pará, tem oportunizado debates interessantes que vão além da política salarial. A antítese das práticas e discursos desses sujeitos comprometidos com a educação são as políticas públicas e as práticas danosas dos muitos sujeitos que personificam a precariedade e, por isso, são danosos à vida de jovens e adolescentes que esperam na educação uma possibilidade de minoração da sua miséria existencial.

As primeiras percepções do quão é escura a noite que a educação pública paraense atravessa se deram no ensino regular. Alunos concluindo o ensino médio sem saber ler e a escola sem professores de língua portuguesa, em alguns casos porque o professor não aparecia na escola, noutros porque sequer existia lotação nessa disciplina. Registrei uma vez, já em Marabá, cinco meses sem que, na escola, houvessem todos os horários de aula. Apesar disso, a síntese dos equívocos é o Sistema Modular de Ensino, o SOME.

O incentivo para o professor atuar no SOME é uma ajuda de custo que atualmente, 2016, está em 3.600,00. Um valor bom, sobretudo quando se considera que só a soma dessa gratificação com o vale alimentação eleva o salário em 4 mil reais. Então, muitos professores, como foi o meu caso, dispõem-se à empreitada. Tem sido usual o professor atuar num circuito que orbita em torno da escola sede, de modo que as distâncias entre as escolas em que trabalhará são reduzidas significativamente. Isso facilita a vida do professor.

Até aí, tudo bem. Mas, só até aí.

O Estado não tem custo com qualquer estrutura material. A escola, no sentido lato, é apenas uma possibilidade. As aulas realizam-se no espaço possível, o que significa que pode ser tanto numa escola municipal, quanto num barco ou num prédio de associação. O acesso a giz, apagador, Datashow, TV, Internet ou qualquer outro recurso depende da disponibilidade dos municípios, no caso de aulas em escolas municipais, ou da disposição do professor em adquirir com seu próprio dinheiro.

Falta acompanhamento e apoio. Os gestores das escolas sedes não têm condições, nem recursos que lhes possibilitem acompanhar as atividades dos professores do modular. Isso deixa o docente isolado. Há a submissão, ao final do módulo, a uma avaliação da comunidade. Isso é uma inócua tentativa de controle, não acompanhamento, tão pouco apoio.

Para completar o cenário o SOME tem sido um campo fértil para a ação descompromissada. Até 2011 não entendia porque a 4ª URE Marabá recebia tantos professores temporários de Belém que eram lotados no SOME. Com o tempo entendi. Criou-se a cultura de que no Modular não é necessário cumprir carga horária. No retorno da minha licença aprimoramento ouvi do coordenador estadual do SOME que esse era um programa para lotação preferencial de professor temporário. Portanto, nessa acepção, trata-se de um programa sem projeto ou de um projeto sem a perspectiva temporal de futuro. Contratos de curta duração não precisam responder pelas consequências da sua prática docente à comunidade, como também não cria qualquer vínculo com o povo com quem trabalha. Esse é um trabalho sem perspectiva. O professor vem de longe, justifica sua ausência na segunda e na sexta feira porque mora longe e fica tudo por isso mesmo. Essa justificava amadureceu e metamorfoseou-se em outra, como ouvi recentemente de um colega, “segunda e sexta são dias de folga do professor do SOME”.

A questão central é que um módulo tem a duração média de 50 dias letivos, que correspondem a cerca de 7 semanas. Subtraídos 2 dias de cada semana são 14 dias sem aula. Isso significa que, nessa hipótese, um módulo teria, efetivamente, 36 dias de aula e que nesse pequeno lapso de tempo os professores trabalhariam, por exemplo, todos os conteúdos de matemática e língua portuguesa. Mas isso é pouco se considerarmos que, na comunidade onde estou trabalhando, os alunos reclamaram de ter tido uma disciplina de um módulo resumida em 2 dias de aula.

Finalmente chego ao essencial em tudo isso. Tenho conhecido jovens fantásticos. Pessoas cheias de sonhos. Pessoas que querem ir para a faculdade. Alguns, inclusive, vão fazer o ENEM. Entre o direito à educação e o sonho desses jovens há, em muitos casos, o crime da irresponsabilidade do Estado e de alguns docentes.

Para piorar agora o Estado quer reeditar o velho, enfadonho e frustrado telecurso 2000 da Fundação Roberto Marinho. O objetivo é resolver, com uma televisão e um monitor, a questão da mão de obra docente.

Me desculpem os bons professores que atuam no SOME, os bons gestores e até as pessoas bem intencionadas na burocracia do Estado, mas eu precisava desentalar.