sábado, 5 de novembro de 2016

MORO CANDIDATO À PRESIDÊNCIA É FACTOIDE: A PAIXÃO DE NARCISO É POR SI MESMO.

Reinaldo Azevedo, colunista da Folha de São Paulo, e também um dos maiores fascistas da imprensa brasileira, publicou, sob o título Militância fora do tribunal indica que Moro está, sim, candidato a algo, um texto no qual avalia que o juiz Sérgio Moro já não satisfaz-se apenas com a capa do Batman, o herói de brinquedo deseja mais. Nessa acepção, na ânsia por poder, e pelo reflexo espelhado, de salvador da pátria, o juiz desejaria ser presidente do Brasil. Minha interação com um fascista com espaço na grande imprensa é para discordar. Moro não será candidato nada.

Moro, embora tão afeito a afagos que estrebuche com as discordâncias – como no caso da publicação, também na Folha, do colunista Rogério Cezar de Cerqueira Leite – sabe que existe um número significativo de brasileiros que desconfia do seu justiçamento.

Aliás, houve, nos tempos do mensalão, a mesma especulação sobre a candidatura do então presidente do STF Joaquim Barbosa. E o que aconteceu em seguida? Joaquim Barbosa, silenciosamente, saiu da vida pública.

O que percebo, com muita clareza, é o esforço de um dos jornalistas mais engajados no golpe de reforço da tese de que o Temer não serve. Assim, a candidatura de Moro seria o futuro em face da negação do presente. O presente, que em si já se apresenta como passado, nessa perspectiva, carece do futuro, jovem e justiceiro. A intenção, na verdade, não é promover uma campanha pró Moro. A intenção é negar o governo Temer.

A perspicácia está na negação do Temer em função não do Moro, mas do ambiente que se tem criado para a ascensão do PSDB, inclusive com a possibilidade de retorno de outro velho, FHC, que nesse caso retomaria um futuro que foi interrompido. A construção de uma ordem econômica progressista-liberal teria sido interrompida por uma política social-irresponsável, razão porque, num ambiente de crise, não econômica mas de rumos para a nacionalidade, a retomada dessa política significaria o futuro e não o passado. 

Como se vê, os golpistas não tiram folga.

O gozo de Sérgio Moro ainda é a ideia de herói nacional. Sua paixão, uma câmara e seu rosto nos jornais.
E o Moro, fantoche, pela própria vaidade que lhe é característica, tem sido o instrumento útil para todas essas articulações. Até quando não está ocupado com a pirotecnia que envolve as prisões petistas, Moro é útil. Moro é o fantoche útil na produção do caos em nome da ordem.

Nesse sentido, não resta dúvida de que Moro não é candidato a nada. Ninguém, da elite política, quer Moro candidato. O próprio Moro não tem esse desejo. Sério Moro sabe que não sobreviveria a um dia de campanha. 

A sua vaidade é superior à ânsia por poder. E a vaidade é óbice a qualquer sedução eleitoreira. Certamente não irá desejar o justiceiro que o mito de herói seja destruído por uma devassa em sua vida pública e privada. Isso revelaria que o herói é homem e, pior, brasileiro. A consequência desse reconhecimento seria o fim do mito de herói nacional. A brasilidade -infelizmente não dá pra discutir os sentidos disso aqui - bastaria para pôr fim ao mito que tanto lhe apraz. A brasilidade é incompatível com qualquer heroísmo.

A paixão de Narciso não é por um trono. Narciso é cheio apenas de si mesmo.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

ALÉM DAS NOTAS DE REPÚDIO: O TERRORISMO DE ESTADO REQUER AÇÕES CONCRETAS

Li algumas notas de repúdio sobre a violência sofrida pelo professor Euzébio Carvalho, da UEG Campus da cidade de Goiás. Para tantos outros episódios de violência, variando o estilo de escrita, permanece a prática comum da nota de repúdio. Os autores dessas notas, geralmente lideranças ou gestores, o fazem na boa intenção de que manifesta a discordância aos abusos a que as notas se referem os autores de tais atos possam constranger-se em face dessa reprovação pública. Considerado esse caráter, as notas são importantes. Mas, sobretudo pela reincidência, como é o caso em Goiás, são inócuas enquanto resultado.

No dia seguinte à prisão dos manifestantes de Goiás alguns professores, colegas meus da UEG manifestaram a convicção de que era preciso uma resposta ao ocorrido. Quando houve prisões nas ocupações em Goiânia, inclusive do professor Rafael Saddi, o sentimento também era esse, da necessidade de reação.

Li, com muita indignação, as notícias sobre a estrutura de vigilância montada por polícias e gestores para seguir, e perseguir, pessoas comprometidas na luta que, a julgar pelas pesquisas que reprovam as reformas temerosas e marconistas, é de 70% da sociedade brasileira. Esse tipo de prática remete às ações dos agentes de organismos como SNI e DOPs em tempos que, somente hoje, se reconhece inequívoco e publicamente como ditadura, [essa “unanimidade” apenas o passado produz]. A repressão se avoluma e nós nos incomodamos na mesma medida em que nos acomodamos.

Gostei, sobremaneira, da nota de repúdio da direção do Campus Cora Coralina, Cidade de Goiás. É um texto corajoso quando se sabe que as direções de Campus na UEG não têm, sobretudo se querem ter mais algum mandato, muita margem de liberdade. Nesse sentido, a direção pôs o compromisso com o Campus acima dos limites de seus interesses próprios. Isso tem um valor incalculável, especialmente para os presos políticos.

Mas, isso não parece ter produzido resultados significativos. Avançam e ganham corpo as medidas que nos precarizam e as estratégias que nos cerceiam. O diálogo é uma possibilidade cada vez mais remota. Não interessa o que pensamos ou o que temos a dizer. Se pensamos ou se queremos dizer, nos prendem e nos metamorfoseiam em marginais. E isso é muito forte. Isso produz o medo naqueles que ainda não foram marcados com um número de processo. Isso põe medo no coração daqueles que ainda são virgens de cadeia.

Sim, precisamos fazer alguma coisa. Precisamos ir pra rua e enfrentar o monstro antes que seja tarde.

O Estado é o terrorista. Nossa luta não é mais contra as OSs. Nossa luta não é contra a Lei da Mordaça. A nossa luta não é contra a PEC. A nossa luta é contra todas as formas de opressão que cada uma dessas medidas, e todas elas, juntas, representam.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

PRESO PROFESSOR DA UEG EUZÉBIO CARVALHO: TERROR EM GOIÁS


Acordei, nessa manhã de 02 de novembro, dia de finados, com a triste notícia da prisão do professor Euzébio Carvalho, pessoa a quem respeito e estimo muito. O professor foi preso na UEG Campus da Cidade de Goiás, primeiro Campus da UEG ocupado na luta contra a PEC da morte e outros desmandos do governo temeroso que, em Goiás, encontra inspiração e apoio no ditador do cerrado.

Como se sabe o governador de Goiás, Marconi Perillo, inimigo da educação, por isso inimigo dos estudantes e dos educadores, tem enfrentado grande resistência no seu projeto de privatização da educação que, constitucionalmente, deve ser pública e obrigatória. Pouco afeito ao diálogo a forma como o governador tem lidado com a contestação social ao seu projeto é a repressão, para o que conta com professores que ocupam cargos comissionados, liderados pela secretária de Educação, Raquel Teixeira, figura execrável do ponto de vista dos educadores goianos.

Reportagem do jornal Ponte, publicada em 31/10/2016 já denunciava que professores e alunos estavam sendo perseguidos e vigiados por policiais e até por outros professores que atuavam a mando da secretária de educação.

Prof Euzébio algemado.
A prisão do professor Euzébio e de alunos que ocupavam o Campus Cora Coralina é uma consequência dessa estrutura repressiva montada não só por Marconi Perillo em Goiás, mas Por Alckmin, em São Paulo; Beto Rixa, no Paraná; Marcelo Miranda, no Tocantins e pelo próprio Temer, no Brasil. Estamos revivendo a ditadura. O ano não é mais 1964, mas a estrutura autoritária é a mesma. E essa estrutura conta, inclusive, com o apoio de membros do judiciário, como o juiz Alex Costa de Oliveira, que recomendou a tortura de alunos em Taguatinga-DF. Essa ditadura, como em 1964, conta com o apoio de uma parcela significativa da sociedade, por acefalia ou por medo de perder seus privilégios.

Os professores foram presos à noite pela tropa de elite da polícia militar. Repito, tropa de elite. Durante a madrugada foram levados para exame de corpo delito e pela manhã foram liberados. O objetivo não é o cárcere. Na ditadura que se instaurou em 1964, também não era o cárcere. O objetivo é atingir o espírito. Se quebra a resistência pela afetação moral. A prisão é sempre um momento de extrema humilhação. Depois dessa primeira humilhação vem o fichamento, o processo. Na gíria dos bandidos, os do estado e os bandidos comuns, o sujeito não é mais virgem, tem passagem.

Mas há algo maravilhoso nesse espetáculo dantesco, ele envolveu a UEG e, com essa repressão, a tendência é o despertar dos dormentes. Como já descrevi em outros momentos a UEG é uma jovem que cresce com sérias deformações e a síndrome de Alice no País das Maravilhas é uma destas deformações. O professor Euzébio mesmo já foi vítima desse descompasso entre a realidade social goiana e os limites de interpretação e intervenção da parte de docentes e gestores. O boicote à visita do professor Rafael Saddi ao Campus de Uruaçu, que falou para uma plateia esvaziada, é outro exemplo dessa demência.

O que o Marconi e seu esquadrão espera é que essas pessoas, agora fichadas, mergulhem num quadro psicológico de medo. Esse é o efeito mais terrível do processo, a incerteza diante de um Estado que já se sabe arbitrário.

Não tenho dúvida de que, num ambiente tal, somente a luta pode nos salvar.

Concluo por dizer, principalmente a você professor Euzébio, que o meu respeito e apreço por sua pessoa aumenta depois do ocorrido. Estou afastado da UEG, mas meu espírito sempre ansiou por uma Universidade que signifique, pelas práticas daqueles que a dão sentido, meio de efetiva autonomia e de engajamento do povo na luta que é do povo, principalmente daquele povo que hoje não se reconhece no be-a-ba mal lido que temos repetido todos os dias. Nesse sentido o comprometimento de vocês é didático e nos inspira.

terça-feira, 1 de novembro de 2016

A SOCIEDADE MEDIEVAL, TEXTO PARA ALUNOS DO ENSINO MÉDIO

Clero e nobreza, base da exploração camponesa.
Esse é um texto para alunos do Ensino Médio que estão tendo os primeiros contatos com o mundo medieval, portanto, trata-se de um texto simples, sem o caráter acadêmico dos artigos científicos, que aliás não costumo publicar aqui. Dito isso, chamo a atenção para alguns pontos que explicam tanto a formação do que chamamos medieval como as estruturas de funcionamento daquela sociedade.

O primeiro ponto a se considerar é a crise do Império Romano e as invasões bárbaras ao mundo que havia sido dominado por Roma. A desigualdade social e as revoltas escravistas são parte importante da crise romana. Mas, é importante enfatizar que as disputas políticas, inclusive envolvendo os generais foram o elemento decisivo para a Pax Romana, que decretava o fim das guerras de expansão e, por isso, está no centro do problema já que esse período de paz significou também o fim das recompensas aos generais que comandavam os exércitos, a estagnação da ampliação das terras e a sobrecarga de trabalho aos escravos. O auge dessa crise resultou na divisão do grande Império em dois, Império Romano do Ocidente e Império Romano do Oriente. Vale lembrar que quando falo em Império Romano, seja do Ocidente ou Oriente, estou falando de quase toda a Europa e parte significativa da África e Ásia. Portanto, quando falo aqui em Sociedade Medieval, estou falando, na verdade, da Europa entre os anos de 476 e 1453.

Durante esse período já haviam povos bárbaros dentro do Império Romano, inclusive com o compromisso de defender as fronteiras romanas. Vale lembrar que bárbaro era qualquer povo que não tivesse cultura romana. Esses povos, percebendo a fragilidade do grande Império iniciaram um processo de controle das regiões que ocupavam e lutas para conquistas de outros territórios, os visigodos por exemplo conquistaram a Península Ibérica e a Gália; os vândalos conquistaram o norte da África, os francos conquistaram uma porção da Gália e os Anglo e Saxões conquistaram a ilha da Bretanha [sobre esse assunto, invasões bárbaras ao Império Romano, o aluno pode pesquisar aqui mesmo na internet].

Essas invasões, sobretudo pela violência como ocorriam, produziram uma ruralização, ou seja, as pessoas abandonaram as poucas cidades e foram morar no campo. Mas, assim como no Brasil, onde pouca gente tem muita terra e muita gente nem terra tem, as pessoas sem terra precisaram submeterem-se ao mandos e desmandos de quem tinha terra. Iniciava-se o que nós historiadores chamamos de feudalismo.

No mundo feudal havia um senhor de tudo, que era o senhor Feudal, ou nobreza feudal. A nobreza vivia da exploração dos camponeses que, submetidos a um regime de superexploração eram chamados de servos. A igreja tinha o papel mais importante, o de convencer os explorados de que a exploração era vontade de Deus. O raciocínio era simples, se o reino de Deus era para os pobres e se só os mansos e humildes veriam a Deus, então como não acomodar-se mansamente a essa pobreza?

O lugar de cada um onde cada um tinha o seu lugar.
A sociedade medieval, portanto, foi uma sociedade bastante hierarquizada, ou seja, fundada na desigualdade social. Diz-se que haviam os que oravam, os que guerreavam e os que trabalhavam. Mas certo mesmo é dizer que haviam os que convenciam que a ordem era boa, posto que desígnio divino; haviam os que tinham tempo para as festas e as caçadas esportivas e viviam no luxo e haviam aqueles que trabalhavam para que todos esses outros não precisassem trabalhar.

Nosso país não é feudal. A nossa sociedade não é a medieval. Mas, certamente você sabe que nossa sociedade também é marcada pelas desigualdades sociais. No nosso país os que mais trabalham são também os que quase não têm nada. O povo pobre não tem acesso à assistência médica, nossas escolas são precárias e nossos professores são mal remunerados. Nossa região só não parece mais esquecida do Estado porque os políticos saem de seus gabinete de dois em dois anos para pedir voto. Então, a nossa sociedade também é marcada pela desigualdade social. Existe um abismo entre os que nada fazem, na maioria políticos, mas têm tudo e os que fazem muito, nós e nosso familiares, e não temos direito a nada.

Outra questão que podemos analisar em forma de comparação é a quem cabe o papel de nos convencer de que comportamento devemos ter. Naquele período era a igreja, hoje é a televisão, sobretudo a Rede Globo, que assume um papel de crença no que diz quase como os padres tinham naquele período.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

PRISÃO DE EDUARDO CUNHA, FINALMENTE!

Eduardo Cunha não precisou nem mesmo pôr as mãos para trás, prática comum dos presos e dos conduzidos coercitivamente.
Hoje, por ordem do Juiz Sérgio Moro, o justiceiro, foi preso Eduardo Cunha, um dos maiores canalhas da política recente da República brasileira. A notícia, imediatamente, foi amplamente divulgada. Mas, para espanto de todos, essa não foi uma prisão com acompanhamento cinematográfico. Pareceu mais uma cena do filme encontro marcado, quando a vítima e o algoz já esgotaram todas as possibilidades de protelação, mas ninguém deseja o fim necessário.

Não estranharia se, em algum momento, vazasse a informação de que o lugar da prisão foi proposto por Eduardo Cunha. Não é estranho que tenha faltado registro disso?

Ao judiciário termina por apresentar-se consciencioso frente à sociedade, mesmo tendo sido moroso ante o clamor público em torno do justiçamento relativo a Eduardo Cunha.

Ao executivo, o retorno imediato de Temer, que agora também está temoroso, ao Brasil.

Mas, a quem possa estar preocupado, é apenas fogo de palha. O STF só passou o caso ao à República de Curitiba, depois que a República de cá amarrou todas as pontas.

Agora o caso não é mais para alarde. Essa prisão é um acomodar-se das coisas. 

terça-feira, 18 de outubro de 2016

DESVENDANDO MORO

Rogério Cerqueira Leite, em seu BLOG

O húngaro George Pólya, um matemático sensato, o que é uma raridade, nos sugere ataques alternativos quando um problema parece ser insolúvel.

Um deles consiste em buscar exemplos semelhantes paralelos de problemas já resolvidos e usar suas soluções como primeira aproximação. Pois bem, a história tem muitos exemplos de justiceiros messiânicos como o juiz Sergio Moro e seus sequazes da Promotoria Pública.

Dentre os exemplos se destaca o dominicano Girolamo Savonarola, representante tardio do puritanismo medieval. É notável o fato de que Savonarola e Leonardo da Vinci tenham nascido no mesmo ano. Morria a Idade Média estrebuchando e nascia fulgurante o Renascimento.

Educado por seu avô, empedernido moralista, o jovem Savonarola agiganta-se contra a corrupção da aristocracia e da igreja. Para ele ter existido era absolutamente necessário o campo fértil da corrupção que permeou o início do Renascimento.

Imaginem só como Moro seria terrivelmente infeliz se não existisse corrupção para ser combatida. Todavia existe uma diferença essencial, apesar das muitas conformidades, entre o fanático dominicano e o juiz do Paraná -não há indícios de parcialidade nos registros históricos da exuberante vida de Savonarola, como aliás aponta o jovem Maquiavel, o mais fecundo pensador do Renascimento italiano.

É preciso, portanto, adicionar um outro componente à constituição da personalidade de Moro -o sentimento aristocrático, isto é, a sensação, inconsciente por vezes, de que se é superior ao resto da humanidade e de que lhe é destinado um lugar de dominância sobre os demais, o que poderíamos chamar de "síndrome do escolhido".

Essa convicção tem como consequência inexorável o postulado de que o plebeu que chega a status sociais elevados é um usurpador. Lula é um usurpador e, portanto, precisa ser caçado. O PT no poder está usurpando o legítimo poder da aristocracia, ou melhor, do PSDB.

A corrupção é quase que apenas um pretexto. Moro não percebe, em seu esquema fanático, que a sua justiça não é muito mais que intolerância moralista. E que por isso mesmo não tem como sobreviver, pois seus apoiadores do DEM e do PSDB não o tolerarão após a neutralização da ameaça que representa o PT.

Savonarola, após ter abalado o poder dos Médici em Florença, é atraído ardilosamente a Roma pelo papa Alexandre 6º, o Borgia, corrupto e libertino, que se beneficiara com o enfraquecimento da ameaçadora Florença.

Em Roma, Savonarola foi queimado. Cuidado Moro, o destino dos moralistas fanáticos é a fogueira. Só vai vosmecê sobreviver enquanto Lula e o PT estiverem vivos e atuantes.

Ou seja, enquanto você e seus promotores forem úteis para a elite política brasileira, seja ela legitimamente aristocrática ou não.


ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE *, físico, é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha*

A PRECARIEDADE DA EDUCAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL PARAENSE: O CASO DO SISTEMA MODULAR DE ENSINO – SOME

A primeira impressão sobre o sistema de ensino público estadual do Pará é a de que ele tem sido pensado, historicamente, para dar errado. PMDB, PT, PSDB não se trata de sigla, como também não se pode explicar a situação apenas pela excrescência do projeto educacional do atual governo. A constituição da precariedade, portanto, remonta ao passado. Mas é um passado-presente à medida que se pode constatar contínua e agravada.

Se é difícil identificar o princípio do equívoco a nível de política pública, mais trabalhoso ainda é precisar, na ponta, quem partilha da culpa e quem faz o enfrentamento ao problema.

Tive a oportunidade de conhecer, desde que tomei posse em 2009, professores e gestores comprometidos com a educação pública paraense. O SINTEPP, representação classista dos profissionais da educação do Pará, tem oportunizado debates interessantes que vão além da política salarial. A antítese das práticas e discursos desses sujeitos comprometidos com a educação são as políticas públicas e as práticas danosas dos muitos sujeitos que personificam a precariedade e, por isso, são danosos à vida de jovens e adolescentes que esperam na educação uma possibilidade de minoração da sua miséria existencial.

As primeiras percepções do quão é escura a noite que a educação pública paraense atravessa se deram no ensino regular. Alunos concluindo o ensino médio sem saber ler e a escola sem professores de língua portuguesa, em alguns casos porque o professor não aparecia na escola, noutros porque sequer existia lotação nessa disciplina. Registrei uma vez, já em Marabá, cinco meses sem que, na escola, houvessem todos os horários de aula. Apesar disso, a síntese dos equívocos é o Sistema Modular de Ensino, o SOME.

O incentivo para o professor atuar no SOME é uma ajuda de custo que atualmente, 2016, está em 3.600,00. Um valor bom, sobretudo quando se considera que só a soma dessa gratificação com o vale alimentação eleva o salário em 4 mil reais. Então, muitos professores, como foi o meu caso, dispõem-se à empreitada. Tem sido usual o professor atuar num circuito que orbita em torno da escola sede, de modo que as distâncias entre as escolas em que trabalhará são reduzidas significativamente. Isso facilita a vida do professor.

Até aí, tudo bem. Mas, só até aí.

O Estado não tem custo com qualquer estrutura material. A escola, no sentido lato, é apenas uma possibilidade. As aulas realizam-se no espaço possível, o que significa que pode ser tanto numa escola municipal, quanto num barco ou num prédio de associação. O acesso a giz, apagador, Datashow, TV, Internet ou qualquer outro recurso depende da disponibilidade dos municípios, no caso de aulas em escolas municipais, ou da disposição do professor em adquirir com seu próprio dinheiro.

Falta acompanhamento e apoio. Os gestores das escolas sedes não têm condições, nem recursos que lhes possibilitem acompanhar as atividades dos professores do modular. Isso deixa o docente isolado. Há a submissão, ao final do módulo, a uma avaliação da comunidade. Isso é uma inócua tentativa de controle, não acompanhamento, tão pouco apoio.

Para completar o cenário o SOME tem sido um campo fértil para a ação descompromissada. Até 2011 não entendia porque a 4ª URE Marabá recebia tantos professores temporários de Belém que eram lotados no SOME. Com o tempo entendi. Criou-se a cultura de que no Modular não é necessário cumprir carga horária. No retorno da minha licença aprimoramento ouvi do coordenador estadual do SOME que esse era um programa para lotação preferencial de professor temporário. Portanto, nessa acepção, trata-se de um programa sem projeto ou de um projeto sem a perspectiva temporal de futuro. Contratos de curta duração não precisam responder pelas consequências da sua prática docente à comunidade, como também não cria qualquer vínculo com o povo com quem trabalha. Esse é um trabalho sem perspectiva. O professor vem de longe, justifica sua ausência na segunda e na sexta feira porque mora longe e fica tudo por isso mesmo. Essa justificava amadureceu e metamorfoseou-se em outra, como ouvi recentemente de um colega, “segunda e sexta são dias de folga do professor do SOME”.

A questão central é que um módulo tem a duração média de 50 dias letivos, que correspondem a cerca de 7 semanas. Subtraídos 2 dias de cada semana são 14 dias sem aula. Isso significa que, nessa hipótese, um módulo teria, efetivamente, 36 dias de aula e que nesse pequeno lapso de tempo os professores trabalhariam, por exemplo, todos os conteúdos de matemática e língua portuguesa. Mas isso é pouco se considerarmos que, na comunidade onde estou trabalhando, os alunos reclamaram de ter tido uma disciplina de um módulo resumida em 2 dias de aula.

Finalmente chego ao essencial em tudo isso. Tenho conhecido jovens fantásticos. Pessoas cheias de sonhos. Pessoas que querem ir para a faculdade. Alguns, inclusive, vão fazer o ENEM. Entre o direito à educação e o sonho desses jovens há, em muitos casos, o crime da irresponsabilidade do Estado e de alguns docentes.

Para piorar agora o Estado quer reeditar o velho, enfadonho e frustrado telecurso 2000 da Fundação Roberto Marinho. O objetivo é resolver, com uma televisão e um monitor, a questão da mão de obra docente.

Me desculpem os bons professores que atuam no SOME, os bons gestores e até as pessoas bem intencionadas na burocracia do Estado, mas eu precisava desentalar.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

OS 17,58% QUE NÃO VOTARAM, A REFORMA POLÍTICA E O QUE A MÍDIA NÃO DIZ

Dois dias depois da votação de 02 de outubro a imprensa, sobretudo o grupo Roberto Marinho repercutiu, com grande espaço para a necessidade da Reforma Política proposta por Aécio Neves, a crescente percentagem dos brasileiros que exerceram a desobediência civil e não compareceram para votar.

No jornal Bom Dia Brasil se disse que para as pessoas voltarem a tomar gosto pela política [na verdade votar] é urgente que se promova a Reforma Política. Segundo o telejornal há duas propostas no Congresso [na verdade são várias]. Na sequência, com um belo discurso do senador Aécio Neves, se falou da proposta que acabaria com os pequenos partidos, como o PC do B e o PSOL. Para a Rede Globo e as mídias replicadoras o problema político brasileiro é ter 35 partidos, resultando dessa constatação a necessidade de reduzir esse número.

Por esse raciocínio, se tivéssemos apenas dois partidos todos os eleitores teriam votado.

Qualquer idiota, no entanto, sabe que a verdade não é essa. 

Primeiro, 17,58% de abstenção significa, além dos óbitos, o índice de pessoas que perceberam a picaretagem como essência da estrutura política no Brasil. 

Segundo, o Brasil já passou pela experiência de poucos partidos. Na primeira república, também conhecida como república velha, tivemos poucos partidos. Na ditadura tínhamos apenas dois partidos. Esses são os exemplos que a história nos dispõe. E o que era a vida política do povo? Até quem não foi à escola sabe tratar-se dos dois momentos mais obscuros da nossa história.

O problema não é haver 35 partidos políticos. O problema não é das siglas partidárias. O problema é o tipo de homem que se apresenta sob a sigla.

O terceiro elemento a se considerar é o segredo por trás dessa proposta de Reforma. Atualmente temos grandes partidos, como o PSDB, PMDB, PT e DEM. Esses seriam os partidos beneficiados por essa reforma. Atualmente os mais corruptos da República.

No entanto, parte de pequenos partidos, como o PSOL, propostas que nenhum grande partido teria condição de formular, como o pedido de cassação do mandato de Eduardo Cunha, protegido da justiça brasileira.

Existe uma diferença entre grandes e pequenos partidos importante. Os grandes partidos estabelecem conexões com o poder através de negociatas, independente de siglas. Os acordos constituem a condição de governabilidade. O poder executivo precisa negociar com as grandes siglas para, independente do que faça, manter-se no poder.

As pequenas siglas não têm poder de barganha. Elas ficam alijadas dessas negociações e, exatamente por isso, ficam livres para o exercício do mínimo que o povo espera de seus representantes.

O pano de fundo da proposta de Aécio Neves é a eliminação de partidos que, historicamente, têm se constituído como crítica às estruturas de poder. 

SÉRGIO MORO, O BOBO DA CORTE

Ninguém tem personificado melhor o personagem medieval que entretinha as cortes que o juiz Sérgio Moro. O seu semblante sisudo, no papel que assumiu de último cavaleiro da moralidade, não deixa de contrastar com o papel que lhe foi conferido pelos agentes, nada sérios, que estão se esbaldando do vácuo político criado por esse Dom Quixote moderno.

Membro da elite pura brasileira e em posse do único cargo público no Brasil que torna seu detentor semelhante a Deus, o juiz tem sido apresentado como uma das dez personalidades mais importantes do mundo. Em que pese isso também ter sido dito de Eduardo Cunha [pelo grupo abril], de fato, Sérgio Moro é, sem dúvida, o homem mais poderoso no Brasil atualmente. Mas o poder de Moro só vai até onde for necessário, depois disso, do expurgo de Lula, voltará a ser um juiz circunstanciado pelos muitos limites da legislação brasileira. Mas, até lá, Deus pedirá licença a Moro.

Não estou defendendo o Lula, embora esteja falando da relação Lula-Moro. Não dá pra defender o Lula sem ser imoral. Mas, igualmente, e isso é um paradoxo, tendo a ética política como base para a reflexão moral, estaremos para além do bem e do mal, com certeza.

Mais que a relação, claramente personalista, entre Lula e Moro, chamo atenção para a instrumentalização que se faz do justiceiro. Claramente, Sérgio Moro e seu esquadrão, se dispõe a qualquer coisa, independente da Lei, para atingir Lula, ao mesmo tempo em que não conseguem enquadrar ninguém que tenha como sigla o PSDB. E até o brasileiro mais ingênuo, à exceção do próprio Moro, já reconheceu a quem serve o juiz.

Não se trata de ação propositada. Pessoalmente acredito que Moro é muito mais movido pela vaidade do que pelo desejo de beneficiar qualquer partido. É certo também que o juiz nutre ódio por Lula, a ponto de aceitar uma denúncia fundada em convicções, talvez a convicção de que qualquer denúncia serviria, posto que o caso não é provar culpa, mas colaborar com a execração pública. A vaidade não permite a Sérgio Moro perceber que suas ações só não encontram limites quando se trata de Lula. Sérgio Moro certamente ainda não conseguiu entender porque a justiça, no caso o STF, não intima, para pelo menos esclarecer denúncias, figuras como Aécio Neves, Romero Jucá, Renan Calheiros e outros tantos mafiosos em atividade no país.

Sérgio Moro, na perspectiva destes senhores, é um instrumento. Mas não o instrumento que se acredita ser o próprio Moro. A representação que faz de si é uma miragem do que ele, Moro, de fato não é. O juiz Sérgio Moro não faz justiça pela própria parcialidade da justiça que representa.

A arte de Taylor Hacford, em 1997,  mostrou que a vaidade é o melhor instrumento do diabo. 
Sinto certa tristeza com essa tragicomédia. Depois de tudo, ainda seremos os mesmos, só que com um Brasil piorado. Não se pode pretender passar o Brasil a limpo exterminando, a qualquer custo, um partido num mar de lama constituído pela sujeira de todos os grandes partidos. A escolha de um partido é o que ela é, escolha. A justiça, por outro lado, não pode ser dada a efeito a partir de escolhas. A escolha é a personificação da parcialidade.

O resultado mais significativo do trabalho de Moro foi o impeachment da presidenta Dilma. E que serviu isso? Para pôr na presidência um grupo ainda mais corrupto. A própria substituição da presidenta se deu num quadro conspiratório contra as pretensões da Lava Jato. É como se a necrose do corpo fosse a consequência da amputação de uma mão. Só se deve perder a mão se for para salvar o corpo, inclusive o braço, não o contrário.

Diante desse contexto, com todo meu respeito à dignidade do magistrado, a quem pelo poder que se dá a ele, também temo, encerro com o profundo lamento por esse teatro melancólico. Acredito na utopia do homem por trás da toga na mesma medida em que vejo um homem engolido pela vaidade dos afagos daqueles que querem torná-lo perdido.

domingo, 15 de maio de 2016

GÊNERO E DIVERSIDADE NA ESCOLA



Como já se falou em sala, do ponto de vista transcendental, ou seja, das religiões, homens e mulheres nasceram para a felicidade. No que diz respeito ao âmbito da academia o pressuposto do progresso da ciência é a vida e a vida em condições sempre melhores. Dito isso, o tema da diversidade implica num entendimento de que os grupos sociais e os indivíduos, singulares nesses grupos, não se definem por padrões homogeneizadores. Nesse sentido, considerando essa diversidade qualidade intrínseca dos seres humanos, é que tenho proposto nessa nossa disciplina de diversidade cidadania e direitos o respeito à singularidade das pessoas e à diversidade dos grupos como base de uma educação que coopere com a mudança que precisamos ter no nosso mundo.

Na última aula abordamos a sexualidade como um dos aspectos da diversidade. Ao mesmo tempo em que se reconheceu a riqueza das manifestações da sexualidade humana se disse defendeu a sexualidade como direito de todas as pessoas e inda problematizamos a relação entre sexualidade e gênero. Resumindo, para melhor entendimento, se disse que a sexualidade se manifesta de muitos modos, que a sexualidade é um direito e que há ainda um desafio para essa vivência plena, sobretudo quando se fala de homossexuais e da sexualidade feminina. No texto que segue, vou apenas acrescentar o papel da escola no enfrentamento de práticas que atentam contra o direito à sexualidade plena.

Sexo não é a mesma coisa que sexualidade. Sexualidade diz respeito aos fundamentos dos relacionamentos sociais, o que inclui os de natureza sexual. Todos nós somos seres sexuados do ponto de vista biológico. A sexualidade, porém, vai muito além da anatomia ou fisiologia. A resposta sexual de cada um depende também da identidade e orientação sexual, da personalidade e dos pensamentos, dos sentimentos e das relações que estabelecemos. E há ainda o elemento cultural cuja influência incide sobre a forma como se vive a sexualidade. A sexualidade integra, portanto, o conhecimento, as atitudes, os valores ou os comportamentos sexuais dos indivíduos e a expressão da sexualidade é influenciada por fatores de natureza ética, espiritual, cultural e moral.  

Sendo essa uma dimensão importante do convívio social humano, posto que ninguém vive sua sexualidade isolado, é importante que as experiências e vivências da sexualidade sejam sempre fontes de bem-estar para o indivíduo e para os outros com quem esse individuo compartilha sua sexualidade. O bem-estar individual pressupõe repercussões sociais.

A vivência da sexualidade pressupõe, portanto, a possibilidade de vida plena. Esse é o pressuposto, também da Declaração dos Direitos Humanos e da própria Legislação brasileira, o resguardo do direito à vida em sua inteireza como uma das funções do Estado. Essa perspectiva constitui uma das justificativas para a reflexão dessa questão na nossa disciplina. Se a sexualidade é um direito, não pode ser um direito apenas para as maiorias. Não pode ser um direito apenas dos homens, sobretudo, dos homens heterossexuais.

A defesa da dignidade sexual, nesse sentido, é também papel relevante da escola. A escola é o espaço de ensino, de aprendizagem e vivência de valores, onde as pessoas se socializam e experimentam a convivência com a diversidade humana. É possível garantir um ambiente educativo respeitoso, amigável e solidário por meio de práticas que garantam uma convivência pacífica e que fortaleçam a noção de cidadania e de igualdade entre todos e todas. Todavia, em que pese essa que deveria ser uma das vocações da escola, segundo a professora Guaciara Lopes Louro, a escola tem produzido diferenças, distinções e desigualdades. A partir de Foucault (1987) a professora analisa os êxitos do controle exercido pela escola na formação de uma sociedade que embora marcada pela produz práticas e discursos que marginalizam essa diferença. A homofobia é um dos aspectos dessa negação.

A escola produz machos e fêmeas. No passado, nas escolas para meninas e escolas para meninos, essa função era apenas mais explícita. 

Dois textos aos quais já nos referimos em sala, Roberto DaMata e Gilberto Freire, nos ajudam a lembrar a constituição de uma sociedade em que o exercício de direitos é reservado ao homem, negada à mulher uma existência enquanto indivíduo pleno. Àqueles fora do modelo nuclear tradicional de família as perspectivas são ainda mais sombrias.

Então o que nos cabe, enquanto pessoas com uma nova consciência a respeito da diversidade, do que caracteriza uma vida cidadã e do exercício dos direitos, sobretudo dos direitos humanos e daqueles previstos na Constituição brasileira, é a defesa da vida, o reconhecimento da liberdade sexual e o respeito a essa liberdade. A forma como a pessoa vive a sexualidade é uma escolha de foro privado.

A vivência da sexualidade é um direito feminino não uma concessão masculina. É do desrespeito a esse direito que resultam índices significativos de violência contra a mulher. É o desrespeito à liberdade sexual de determinados grupos que resulta a homofobia que tem vitimado muitos homens e mulheres.



BIBLIOGRAFIA

LOURO, Guaciara Lopes. Gênero Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 6ª ed. Rio de Janeiro: 1997.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir. 7a ed. Petrópolis: Vozes, 1987.


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